CAPITÃO ROCHA E O PANDEIRO PERFEITO

 

 

Vitor de Athayde Couto

 

Mês passado fiz aniversário. Sabendo que gosto de instrumentos musicais (tenho vários, do ovo ao piano), meus filhos me deram mais um de presente. Abri o pacote, era um pandeiro! Lindo, profissional – e eles ainda tiveram o cuidado, a gentileza e o carinho de comprar um tipo que não fosse muito pesado. Amei, claro, mas…

– ?

– Mas eu não sei tocar pandeiro. É muito difícil.

– Você vai treinando, meu pai – eles disseram.

Sabedor da grande diferença entre bater num padeiro de qualquer jeito até dominar os recursos e as sutilezas sonoras do instrumento, pensei alto:

– Já sei. Quando voltar, vou pedir ao meu amigo Rocha, o digno Capitão João das Graças Rocha Sobrinho, para me dar umas aulas.

Parece até que Deus ouviu, e, divinamente invejoso como Ele só, usou seu poder e pulou na minha frente. Mal voltei e Deus levou o meu amigo. Daí eu disse novamente, como já havia repetido dezenas de vezes:

– Deus só leva gente boa. Com tanto capitão furreca sobrando pelaí, achou de levar logo o meu amigo.

Sim, tenho pensado nisso o tempo todo, desde o grande terremoto no Haiti, quando Ele levou dona Zilda Arns. Logo em seguida levou meu filho. Acaba de levar o cardeal Hummes… Não tive mais dúvida, Deus está aprontando alguma. Talvez fazendo um projeto social para ajudar os pobres necessitados e precisa de uma grande equipe constituída de pessoas boas, generosas e muito competentes naquilo que elas já fazem com perfeição aqui na terra. Pois bem, uma dessas pessoas é o meu amigo Rocha. E agora? O que é que eu vou fazer com o pandeiro, com o presente maravilhoso que ganhei?

Lembro de alguns vídeos que fiz para registrar momentos felizes, quando meus amigos tocavam chorinhos e outras brasilidades. Todos nos sentíamos muito bem acompanhados ao lado do nosso querido percussionista. O áudio ficava perfeito e nunca foi necessário pedir para que o pandeiro ficasse mais distante ou mais próximo do microfone. Rocha percebia tudo isso em silêncio. Graças ao seu domínio sobre o instrumento, ele regulava o som mentalmente, tal qual um sonoplasta, batendo mais forte ou mais fraco sempre que necessário para o bem da estética. Sabia escolher o lugar mais adequado para se posicionar.

Certa vez ele me contou que o cantor Miltinho era um grande pandeirista. Para não corromper a estética musical, Miltinho colou tecido nas platinelas. Assim, o pandeiro não perturbaria as gravações. De fato, isso funciona. Já fiz a experiência e notei que o tecido amortecedor de platinelas transforma um pandeiro comum em uma espécie de pandeiro em surdina.

Rocha fazia tudo isso apenas usando a sua sensibilidade, sem precisar recorrer a pedaços de pano. O seu pandeiro será sempre ouvido por todos nós que tivemos a sorte de desfrutar da sua companhia e amizade. Confesso que sentirei muita falta da sua música e da sua simplicidade, particularmente nessa fase terrível de muita arrogância que a humanidade atravessa. Assim como Deus, eu tampouco sou perfeito. Enquanto Ele foi egoísta ao levar meu amigo, eu, enquanto estiver cá na terra, morrerei de inveja dos anjos do Céu, que agora podem desfrutar do melhor acompanhamento para as suas liras.

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Escute o texto com a narração do próprio autor: