O senador Wellington Dias (PT) ocupou a tribuna do senado esta semana para contestar o uso do nome cajuina em refrigerante da coca cola.
Quando governador, afirma, que acatou sugestão do Conselho Estadual de Cultura, baixou um decreto que torna de “Interesse Cultural o Modo de Fazer Tradicional da CAJUÍNA do Estado do Piauí, passando a integrar o Patrimônio Cultural do Estado.”
"Para garantir ainda mais a cajuína, recomendei à Emater que entrasse, junto aos órgãos nacionais, com pedido de patente de nossa cajuína, processo que atualmente tramita e está sendo analisado em Brasília", argumenta o senador.
Leia o discurso
Hoje ocupo a tribuna desta Casa para trazer um debate que se trava na Região Nordeste, espalhando-se para o restante do Brasil, sobre a informação de que a Coca-Cola Norsa, fabricante multinacional de bebidas em alguns estados do Nordeste (Ceará, Piauí, Bahia e Rio Grande do Norte) estaria patenteando o nome Cajuína – já negado – e por último tentando se apropriar indevidamente do termo cajuína ao batizar um de seus produtos com o nome de “Crush-Cajuína”, o que foi recebido como um desrespeito ao povo e à cultura de nossa região.
Embora a empresa tenha emitido Nota de Posicionamento, no último dia 3 do presente mês, alegando “que em nenhum momento ela ou a Coca-Cola tentou ou obteve ‘patente’ sobre o termo cajuína, além de não ter intenção de registrar a marca em seu nome”, os esclarecimentos dados reforçam a indignação entre os piauienses e outros brasileiros, considerando a diferença clara entre cajuína e refrigerante de caju.
Para tentar justificar, a assessoria de imprensa da Norsa afirma que “a confusão pode ter surgido após o lançamento do refrigerante Crush no sabor guaraná e cajuína.” Deixa claro que se trata de refrigerante, mas ao batizá-lo como cajuína – o que não é cajuína – causa uma revolta crescente. Esquece a fabricante que, primeiro, cajuína é suco natural, produto nutritivo e saudável, e não refrigerante como está sendo chamada. Segundo, longe de ser uma dádiva da natureza, como pensam os representantes da Coca-Cola, é um produto cultural nordestino, notadamente piauiense, fruto de um saber socializado entre várias gerações durante todos esses anos. Trabalhado artesanalmente, como produto nobre e que gera milhares de empregos e empreendedores familiares.
Mais inacreditável ainda, prezados senadores e senadoras, é a referida empresa declarar, menosprezando a justiça e a nossa inteligência, que “o uso da palavra cajuína na designação de sabor é absolutamente livre, não fazendo parte da marca ou de seu registro, no caso de Crush.” Do contrário, por que não batizou seu novo refrigerante de “Crush-Caju”.
Celebrada em verso por Caetano Veloso, que fez a música em homenagem aos pais de Torquato Neto, a nossa “cajuína cristalina em Teresina” é, como o Brasil inteiro sabe, uma bebida típica do nordeste, sobretudo do Piauí, Ceará, Bahia, Pará, Pernambuco e Rio Grande do Norte, produzida artesanalmente, sem álcool nem adição de açúcar, e preparada do suco de caju. Fruta essa que tem, é bom frisar, cinco vezes mais vitamina C do que a laranja. Agora, de repente, não mais que de repente, constatamos que nossa cajuína, produto cultural e nutritivo, chega desfigurada ao mercado e acoplada a um termo em inglês, “crush”, que os sertanejos, além de não entenderem o significado, pronunciam com dificuldade. Dentre tantas outras aberrações, este é um exemplo cabal, meus amigos e amigas de Senado, do total desrespeito que uma multinacional comete em solo nacional.
Quando governador do meu Estado, acatando sugestão do Conselho Estadual de Cultura, bem como já prevendo certas malandragens do capitalismo, baixei um decreto que torna de “Interesse Cultural o Modo de Fazer Tradicional da CAJUÍNA do Estado do Piauí, passando a integrar o Patrimônio Cultural do Estado.” Para garantir ainda mais as coisas, recomendei à Emater que entrasse, junto aos órgãos nacionais, com pedido de patente de nossa cajuína, processo que atualmente tramita e está sendo analisado em Brasília.
Para se ter idéia de quanto os piauienses, nobres senadores e senadoras, valorizam a qualidade da cajuína é que a cooperativa dos produtores do estado, tendo à frente o incansável e batalhador Lenildo Lima, presidente da Cajuespi, busca no momento, com ajuda do Sebrae-PI, conquistar um selo indicativo do produto Premium, a exemplo do que acontece com os vinhos franceses, de acordo com padrões internacionais. De posse desse selo de Identificação Geográfica (IG), a ser recebido até outubro próximo, a nossa cajuína passará a contar com maior valor agregado, isto é, um superior padrão de qualidade.
A fim de ilustrar a importância do selo, peguemos alguns produtos que já possuem IG no Brasil, e teremos uma verdadeira dimensão do que realmente perseguem os cajucultores do meu estado: vinhos espumantes do Vale dos Vinhedos (RS), café do cerrado Mineiro, carne dos Pampas Gaúchos, cachaça de Parati (RJ) e o queijo Minas da Serra da Canastra. Acredito que tão logo o Brasil descubra a “cajuína cristalina”, como bem definiu Caetano Veloso, não só trocará o refrigerante por um delicioso suco de caju, como observará uma melhora substancial no quadro de saúde das pessoas.
Outra providência que tomei foi, enquanto governador, apoiar e patrocinar o Festival de Cajuína do Piauí, cuja primeira edição aconteceu em 2009, na Praça Pedro II, com a presença de vários produtores do Estado. Além deles, o festival contou também com a ilustre visita de Gyselle Soares, ex-BBB da rede Globo carinhosamente batizada, pelo apresentador Pedro Bial, de Gyselle “Cajuína”, justamente por ser filha dessa terra querida. Quero aproveitar essa ocasião, inclusive, para convidá-los (as) a saborearem, em novembro, a deliciosa e inesquecível cajuína.
Antes que me chamem de radical ou intransigente, quero deixar claro que não vejo problema, muito ao contrário, uma empresa produzir refrigerante à base de caju. Qualquer um dos fabricantes não só desfruta desse direito, como tem o meu irrestrito apoio. Agora, daí a batizá-lo de cajuína, ignorando suas características peculiares e seu modo de feitura artesanal, não concordo. Sem falar dos enormes prejuízos econômicos que podem causar, levando-se em conta a escala industrial, a milhares de famílias piauienses que dependem única e exclusivamente dessa tradicional produção.
Para concluir, prezados colegas, quero mandar um fraterno abraço aos “quixotes” do Piauí (Joca Oeiras, Cineas Santos, Lenildo Lima, Fonseca Netoque, entre outros) que, de forma destemida e rebelde, iniciaram essa luta no intuito de defender a cajuína como patrimônio cultural. E dizer que adorei o texto crítico do poeta Climério Ferreira que, em linguagem enxuta e bem humorada, expressou brilhantemente a indignação dos piauienses: “A cajuína cristalina do Cariri? / A cajuína cristalina é de Teresina / Tem coisa que não rima / Tem coisa que não rola / A cajuína da Coca não cola”.
Muito obrigado, senhor presidente.
Era o que eu tinha a dizer.
Fonte: acessepiaui.com.br