Por trás da violência na Arena Joinville, no último domingo, existe uma relação que flutua entre a informalidade e a atividade profissional. Uma ligação perigosa entre clubes e torcidas organizadas que inclui troca de favores, apoio político, vaias ou aplausos manipulados, cessão de ingressos, ajuda para transportes, vagas em voos fretados e até quarto em hotel onde a delegação está concentrada — em geral de luxo.
Os membros de organizadas são vistos quase que diariamente em Flamengo, Fluminense, Botafogo e Vasco. Há o trânsito livre. No Tricolor, por exemplo, torcedores uniformizados invadiram a sala da presidência nas Laranjeiras para conversar com o presidente Peter Siemsen após o rebaixamento.
No Flamengo, no passado recente, um grupo de torcedores viajou no voo da delegação para o exterior, receberam ingressos e alguns ainda ficaram no mesmo hotel dos jogadores. Num momento de crise, estavam eles na porta do Ninho do Urubu à espera de reunião com os jogadores.
Para aumentar o poder de negociação, alguns torcedores são sócios e até conselheiros. O apoio passa a ser mais valioso. Recentemente, na Gávea, um candidato à presidência enviou uma pasta com R$ 30 mil para um líder de torcida. A proposta era tentadora. Mas, na balança, ele exibiu estratégica lealdade. A matemática: como o pagador tinha pouca chance de vencer o pleito, em três anos se ganha mais do que R$ 30 mil.
No Vasco, além da roleta de entrada de São Januário destinada a uma torcida — forma de arrecadar —, os ingressos movem a máquina. Os brigões de Joinville tiveram desconto de 75% nas entradas. Prática que se arrasta por anos na Colina.
— A torcida chega para gente e diz quantos ingressos precisa. Nós tentamos comprar esses ingressos de meia entrada e vendemos pela metade do preço. Nem sempre conseguimos comprar a carga de ingressos que eles pedem. Mesmo o Vasco não sendo o mandante, é negociado dessa maneira. Nós pedimos e o outro time também pede para a organizada deles — disse o vice-presidente de patrimônio do Vasco, Manoel Barbosa.
Na relação perigosa, o preço a se pagar é alto.
Acesso livre aos gabinetes do poder
Quem frequenta as dependências de um clube grande de futebol sabe que o torcedor que às vezes briga na arquibancada é o mesmo que tem acesso livre aos gabinetes do poder.
Em uma sexta-feira de 1999, o Botafogo fazia seu último treino para enfrentar o Internacional. Do vestiário, saiu um grupo de dez torcedores em direção ao campo com o aval do então presidente José Luiz Rolim. No discurso, eles foram levar apoio ao time. No dia seguinte, porém, dois deles invadiram o campo e agrediram o atacante Valdir. Foram detidos e levados para a delegacia. Terminada a partida, o ex-jogador foi prestar queixa, mas não conseguiu. A dupla de brigões já tinha solta por um advogado. Do Botafogo. A pedido de Rolim.
No dia em que foi demitido do Flamengo, em 2007, Ney Franco recebeu tapas nas costas no saguão do hotel em São Paulo. Os torcedores que foram pegar ingressos o vaiaram no Morumbi. No final do dia, o treinador foi demitido.
O dinheiro move a relação. Certa vez na Gávea, um treinador, criticado no início do Brasileiro, “doou” um cheque de R$ 20 mil a um chefe de organizada — que exibiu sem pudor a grana.
Não é diferente nas Laranjeiras. Em 2004, um famoso atacante concedia entrevista coletiva em seu último dia. No estacionamento, um grupo de torcedores o esperava. Do carro do craque foram retiradas dez caixas de cerveja, dadas para o churrasco que seria realizada por uma das organizadas do clube, na sede do próprio Tricolor. O presente, segundo o agora ex-jogador, era a forma de agradecer o apoio recebido no ano.
Vasco vai rever regalias. Flamengo fala em parceria
Depois da selvageria em Joinville, o Vasco vai rever sua relação com as organizadas. Hoje, o clube dá 50% de desconto nos ingressos de meia entrada, mas nega ajudar os torcedores nas viagens.
— Pode ser que depois do que aconteceu, a gente não venda mais os ingressos para a organizada. Mas isso não foi conversado ainda — afirmou Manoel Barbosa, vice presidente de patrimônio.
No Flamengo, a diretoria cede cerca de mil ingressos por jogo para as organizadas, com descontos de 40%. Através de comunicado, os dirigentes classificaram o‘relacionamento com as organizadas o melhor possível, dentro da filosofia de considerá-las como parceiras do clube’. Os dirigentes, porém, não responderam se ajudam ou não nas viagens dos torcedores.
No Botafogo, o presidente Mauricio Assumpção, através da assessoria, disse que o clube não cede ingressos e não custeia viagens da torcida. Quando o Engenhão estava aberto, o clube cedia quiosques para as torcidas comercializarem seus produtos. Sem o Engenhão, a cortesia acabou. Para 2014, a ideia é criar um plano especial de sócios para as organizadas.
O Fluminense, através da assessoria, preferiu não falar sobre o assunto.
Fonte: Extra