Brasil, um projeto sem rumo
Diderot Mavignier
“Dessa fatal corrupção das sociedades nasce o maior inimigo da liberdade, o indiferentismo. Quando uma nação pervertida e podre chega a cair neste estado paralítico, nem há que esperar para a liberdade, nem que recear para o despotismo…”
Almeida Garret (1799-1854), in: Portugal na Balança da Europa, 1830.
Mergulhado num total estado primitivo, vivia Pindorama. Com nativos afundados na idade da pedra, estes viviam sem conhecer a roda, a escrita, o ferro, o bronze, o leme e a vela. A cultura da total ignorância fazia com que comessem seus próprios semelhantes motivados por uma simples disputa. Como colônia portuguesa, o Brasil, apesar de rico por natureza, teria uma das piores formações de um estado.
No século XV, Portugal estava voltado para o Oriente, e o projeto Índia era a esperança de mudanças para a terra de Camões. No início do século XVI, o império luso-indiano chega ao apogeu, tornando Lisboa a capital do comércio mundial. Do Oriente, vinham as especiarias, porcelanas, madeiras, tecidos finos, peles, pedras e metais preciosos que atraiam comerciantes de toda Europa. Nesta época, Portugal perdera metade de sua população de homens válidos para a Índia, todos em busca de enriquecimento, empobrecendo principalmente a produção portuguesa no campo.
Na Índia, por sua vez, crescia a avareza, a ambição e a crueldade dos portugueses, que pensavam apenas em enriquecer rapidamente cometendo todo tipo de crime e vilania. A corrupção ocupou todos os espíritos e a desordem se tornou geral, e é claro que neste reino as coisas não dariam certo.
Ainda no século XV, Portugal, impedido pelo império turco-otomano de cruzar a sua rota terrestre para alcançar a Índia via Mediterrâneo, busca uma rota marítima contornando a África, onde os assaltos aos mercadores lusitanos fossem menores. E é aí que se inicia a história da Terra de Santa Cruz.
No Brasil descoberto, os colonos portugueses não se comportaram de modo diferente dos praticados na Índia, e somaram a isto o cruel sistema de escravidão, tanto do gentio como do negro africano. Um precário sistema de educação foi instalado pelos jesuítas, que Pombal fez por encerrar, consolidando o desprezo pelo ensino e a aprendizagem dos brasileiros.
Veio o período do ouro e diamante que fez dom João V tornar-se o rei sol português, reproduzindo o rei francês Luiz XIV. Entre as grandes obras com estas riquezas das minas do Brasil, estão o suntuoso Palácio-Convento de Mafra, e a Igreja de São João Batista em Roma que excede em luxo com o metal brasileiro. Com estas e outras obras, dom João V ganhou do papa Bento XIV o título de Rei Fidelíssimo.
Com a corte na América portuguesa, o estado de coisas não se alterou. O Brasil recebia cientistas e observadores europeus vindos a convite de dom João VI, mas tudo com caráter de exploração. Entre estes, August de Saint-Hilaire que viajou pelo Brasil entre os anos de 1816 e 1822. O padre francês nos deixou trabalhos valiosos sobre o país em várias áreas, tanto em português como em francês, estudos que até hoje são revisitados, ilustrados por desenhistas como Debret. Mas nos deixou uma observação importante para compreensão do Brasil, demonstrando preocupação com o futuro, e assim frisou:
“há uma influência que age sobre os brasileiros de uma maneira bastante perniciosa – a escravatura. O excessivo grau de inferioridade do escravo leva-o, naturalmente, aos mais torpes vícios […] para fugir ao castigo, o escravo habitua-se a mentir e rouba porque nada possui, embora se veja cercado por objetos tentadores, e suas mínimas necessidades quase nunca sejam atendidas. Pode ser também que considere o roubo uma forma de vingança. E que motivos impediriam o escravo de ceder às suas próprias más inclinações? Sentimentos religiosos? Poucas noções tem ele do que seja isso. O receio de manchar sua reputação? O escravo não tem mais reputação do que um boi ou um cavalo e, como eles, está à margem da sociedade humana […] O senhor de escravos vê-se, assim, cercado de seres necessariamente abjetos e corruptos. É no meio deles que seus filhos são criados e os primeiros exemplos que as crianças veem são o roubo e a dissimulação. Como não iriam familiarizar-se com esses vícios e tantos outros mais que a escravidão arrasta consigo? Culpemos o escravo, sem dúvida, mas não deixemos de culpar também o senhor”. (SAINT-HILAIRE, August de. Voyage dans l’interieur du Brésil. Troisième Partie. Voyage aux sources du Rio de S. Francisco et dans la province de Goyaz. Tomo I, p. 108).
Mergulhado numa história desconhecida pela grande maioria dos brasileiros, o Brasil vive uma crise generalizada, onde o pouco que tínhamos de erudição e inteligência nas escolas foi substituído pelo mais torpe projeto político partidário. Os governantes sabem que um povo sem instrução não tem atitude e a perspectiva de mudança e tomada de novos rumos é nula. Uma das grandes heranças portuguesas, o saber ibérico, foi substituído pela apologia à devassidão chamada de cultura. Enquanto não estudarmos com seriedade nosso passado, não compreenderemos nosso país e não sairemos do estado de subdesenvolvimento, muito pelo contrário, vamos nos enterrar no caos e violência de toda ordem.