A Casa Grande da Parnahiba
(de Domingos Dias da Silva)
Diderot Mavignier
O historiador cearense Gustavo Barroso fez estampar na revista O Cruzeiro de 10 de março de 1956, matéria para sua coluna Segredos e Revelações da História do Brasil, com o título A Casa Grande da Parnaíba. Barroso escreve sobre o seu fundador o português Domingos Dias da Silva que, vindo da capitania de São Pedro do Rio Grande do Sul aonde se dedicara à indústria das charqueadas, trazia bastante ouro e prata, ganhos nessas paragens, com os quais pretendia, como fez, dedicar-se àquela mesma atividade em novas terras, com maior proveito.
Segundo Barroso, Domingos, homem de poucas letras, possuía apurado tino comercial, grande devoção ao trabalho e notável energia construtora e que multiplicou rapidamente os cabedais trazidos do Sul, sobre os quais, à boca pequena, corria uma lenda jamais comprovada: a de que os obtivera criminosamente, apoderando-se dum depósito que lhe entregara um perseguido e fazendo este desaparecer; daí ter deixado o Sul, buscando no Norte meio onde não fosse conhecido nem procurado. Essa boca a que se refere Barroso, não só fez estragos na memória do fundador da Casa Grande da Parnaíba, bem como na de seu filho Simplício Dias da Silva, tido como homem de caráter perverso.
Domingos mesmo antes de vir para o Brasil, já aproveitava as vantagens proporcionadas pelo Reino português sobre suas colônias, e como capitão de navio fazia comércio triangular entre Portugal, África e Brasil. Negociante de Lisboa, pertencia ao pequeno grupo de abastados capazes de participar e arrematar os monopólios disponibilizados pela Coroa, tornando-se um dos principais contratadores.
Domingos transportava tecidos, vinhos, aguardente, armas de fogo e outras fazendas para Luanda, capital de Angola, onde esses produtos eram vendidos ou trocados por escravos, que por sua vez eram trazidos para o Brasil. Na volta para Lisboa, o navio era carregado de açúcar e outros produtos da terra. A trajetória desses mercadores e contratadores faz parte dos estudos de muitos historiadores, como os professores Maximiliano Menz, Miriam Ellis, Helen Osório, entre outros.
Com o sucesso do contrato dos escravos de Angola, Domingos passa a ser um dos principais arrematadores dos monopólios da Coroa. Em setembro de 1758, Domingos compareceu nas Casas onde se faz o Conselho Ultramarino em Lisboa, estando presente os senhores conselheiros, desembargadores e procuradores, para assinatura do Contrato dos Dizimos Reaes do Rio de Janeiro, pelo prazo de três anos.
Ao se inserir no grupo dos grandes mercadores, por volta de 1760, Domingos fixa-se na capitania de São Pedro do Rio Grande do Sul, onde participa de mais de uma dezena de contratos com a Coroa portuguesa, entre estes, o da pesca da baleia e suas armações. Mas com a política do Marquês de Pombal que estimulava o desenvolvimento do Norte da colônia americana, Domingos transferiu-se para o litoral da capitania do Piauí, onde já se encontrava o seu sobrinho e negociante Manuel Antônio da Silva Henriques.
Na vila de São João da Parnaíba, Domingos instalou fazendas de gado, sítios de plantar, oficinas de couro e charque, construiu prédios, armazéns e casas de negócios. A vila da Parnaíba prosperava com o seu porto movimentado, e assim em 1771, ganha uma Casa de Comércio atrelada a Companhia de Comércio de Pernambuco. Com as grandes secas do Ceará que dizimaram o gado de seus concorrentes, Domingos, com os seus mais de mil escravos, abatia quarenta mil bois por ano, que eram transformados em couro e charque, transportados em seus navios para as outras capitanias e metrópole. Em 1785, a produção era tamanha, que Domingos solicita ao seu correspondente em Lisboa Policarpo José Macha, que não traga no navio N S da Conceição Sto. Antônio & Almas fazenda alguma de Lisboa, mas somente sal para as suas oficinas de couro e charque, operação que teve que justificar na Casa de Comércio de Pernambuco, documento de 95 páginas, onde diz ter contribuído com três embarcações para assistir com doze mil cruzados em carnes, nas guerras do Sul e que teve seus barcos desmastreados pelas balas do inimigo. Na época, Portugal disputava com a Espanha, as terras do rio da Prata.
Mesmo com o fim da Casa de Comércio da vila, Domingos teve privilégio dado pela rainha de Portugal, Dona Maria I, para que os seus navios viajassem direto da Parnaíba para Portugal, sem passar pelas Companhias de Comércio do Maranhão, ou Pernambuco. Em apenas um navio, eram carregados mais de quinze mil bois transformados em diversos tipos de couro. Como devoto, todos os seus navios tinham nome de santos católicos: Nossa Senhora da Conceição Santo Antônio & Almas; Senhor do Bonfim; Nossa Senhora da Graça; São Nicolau; e Mãe de Deus & Santa Ana. No ano de 1790 tem início a Grande Seca (1790-1794), com uma sumaca carregada de víveres, Domingos e negociantes da Parnaíba socorrem os cearenses apertados pela fome.
Para a compra do gado, Domingos criou uma rede de contatos, que ia da vila litorânea, a vila de Parnaguá no Sul do Piauí, ações que fortaleceram a integração da capitania instalada em 1758, pelo Marquês de Pombal, ministro de Dom José I rei de Portugal.
Como na assinatura de seus contratos ficava acertado um percentual para obras católicas, Domingos foi o grande benemérito na construção da igreja Matriz da Graça, e do Rosário, ambas no largo principal da vila piauiense. Criou as Irmandades do Santíssimo Sacramento, de N S da Graça, e de N S do Rosário, organizações de beneficência.
Domingos Dias da Silva faleceu na vila de São João da Parnaíba no ano de 1793, deixando uma imensa fortuna para seus filhos Simplício e Raimundo Dias da Silva, sendo sepultado na Capela do Santíssimo Sacramento, na igreja Matriz da Graça. Era natural da aldeia de Padornelos, da vila de Montalegre, comarca de Chaves, Arcebispado de Braga, no Norte de Portugal, filho legítimo do juiz e vereador José Dias da Silva e dona Maria Gonçalves.
No seu inventário, parte transcrito por Judith Santana, Domingos reservou um terço de seu patrimônio para muitas obras pias, legados e confrarias religiosas e pelo sufrágio de sua alma: recomenda aos seus testamenteiros [Simplício e Raimundo] a finalização da capela do Santíssimo Sacramento a qual desde o seu princípio foi feita a sua custa; determina seja o seu corpo sepultado na mesma capela, acompanhado pelos reverendos sacerdotes presentes e pelas Irmandades do Sacramento e do Rosário, das quais era irmão; no dia do seu falecimento o mais breve que se puder se mande dar de esmolas cinquenta mil réis para os pobres da Cadeia da cidade da Bahia [Salvador] e a mesma quantia para os das cidades de Pernambuco [Recife] e do Maranhão [São Luís]; para os presos que se achar na Cadeia desta vila quatro mil réis; cada pobre e viúva que acompanhar o seu corpo dois mil réis; para os órfãos oito mil réis; determina mais se digam missas de corpo presente por todos os sacerdotes que se acharem presentes nesta vila e nos seus distritos, tanto no dia do seu sepultamento como no oitavo dia, hum mil duzentos trinta réis; mais se diga pela sua alma cinco mil missas e nelas se dê trezentos e vinte, aos quais serão ditas em vários Conventos determinados: na Bahia, Pernambuco e Maranhão; mais se digam nos mesmos conventos cinco mil missas e com esmolas de trezentos e vinte, a saber: duas mil por benção de todas as pessoas com quem teve negócios que por algum modo foram lesados sem virem ao seu conhecimento; duas mil pelas almas do Purgatório e hum mil pelas dos defuntos seus pais e parentes; declara se digam trezentas missas nos Conventos dom duzentos e quarenta réis pelas almas dos seus escravos; determina mais se digam cem missas no mesmo Convento de São Francisco de Lisboa com esmolas de duzentos e quarenta pelas almas…; determina mais se digam trezentas missas no mesmo Convento de São Francisco pelas almas sepultadas; determina mais seus testamenteiros mande vir todos os ornamentos e alfaias para a Capela do Santíssimo Sacramento; determina mais que seu testamenteiro, passado um ano depois do seu falecimento, as irmandades do Santíssimo Sacramento e de Nossa Senhora da Graça, as casas todas de sobrado que mandei fazer defronte… nessa vila da Parnaíba cuja dádiva… foi feita para o azeite das lâmpadas do Santíssimo Sacramento e da Senhora da Graça dessa referida vila. Judith Santana, no seu livro O Padre Freitas de Piripiri, diz que o inventário é tão ilegível que nada mais conseguiu.
Nota 1: Domingos Dias da Silva é Patrono de Cadeira Nº 30 do Instituto Histórico Geográfico e Genealógico de Parnaíba – IHGGP.
Nota 2: Nossa gratidão (in memorian) a professora Judith Santana, natural da cidade de Piripiri, Norte do estado do Piauí, pelas produções: Parnaíba (COMEPI, 1983); e O Padre Freitas de Piripiri – Fundador da Cidade (1984).
Nota 3: O padre Domingos de Freitas e Silva era natural da vila de São João da Parnaíba. Fez seus estudos em Recife-PE e São Luís-MA bancados pelo seu padrinho o padre parnaibano Henrique José da Silva. Participou intensamente das lutas pela Independência do Brasil na vila da Parnaíba, se fixando depois na sua fazenda Piripiri, que deu nome à cidade piauiense.