O conceito de direito muitas vezes é visto de forma restrita, como sendo apenas um conjunto de leis e normas jurídicas que servem para regular as relações intersubjetivas, promovendo a harmonia e a paz entre as pessoas.
De fato, considerando que o direito existe como uma ideia, uma abstração, é interessante transmiti-lo como sendo algo benéfico para a sociedade. Porém, nunca se pode mostrar apenas uma visão unilateral, faz-se necessário também evidenciar o seu papel às vezes desagregador e a forma como ele é utilizado pelos governos para se manterem no poder.
Em outras palavras, o direito é composto de normas que disciplinam as nossas condutas, mas que têm a finalidade de proteção dos interesses considerados essenciais à manutenção de uma dada formação social, cujos interesses nem sempre representam aquilo que seria justo, ou que estivesse de acordo com o ideal de Justiça.
Dessa forma, não há como desconhecer a presença marcante do conteúdo ideológico das classes dominantes quando da elaboração das normas, daí recorrermos à lição de José de Albuquerque Rocha, ao afirmar que “o direito escolhe dentre as condutas sociais possíveis, e segundo o sistema de valores dominantes, as mais convenientes à permanência da sociedade, garantindo a sua observância […]”.
Pois bem, se o Direito disciplina nossas condutas através das normas, que são elaboradas de acordo com os interesses da classe dominantes, há que fazer três indagações: Quem é a classe dominante? Quais são seus interesses? Quem elabora estas normas?
Parece óbvio que a classe dominante em um país é aquela que o administra, cujo interesse é continuar administrando. É lógico, portanto, que o Executivo tem pretensões de se manter no Poder.
Ao legislativo cabe a função de editar as normas. Fácil entender, portanto, que se o legislativo tiver sua independência limitada em relação ao executivo, logicamente que as normas a serem editadas atenderão aos interesses dos que administram. Assim, quanto mais deputados e senadores afinados com o Governo menos dificuldade terá o executivo para a promoção de seu objetivo de se manter no poder.
Melhor dizendo, como o executivo precisa da maioria dos congressistas para ver aprovado os seus projetos faz-se necessário “agradar” alguns membros do legislativo, inclusive da oposição, para atraí-los à base de apoio ao governo. E esse jogo de sedução parece não ter regras, nem limites, desde que atinja o seu objetivo.
Assim é que assistimos estarrecidos a notícia de que se pagava “mesada” (chamada de mensalão) a deputados, como meio de seduzi-los a votarem sempre de acordo com as propostas do governo. O dinheiro dessas “mesadas”, segundo a imprensa, era entregue, em espécie, diretamente a líderes ou presidentes de partidos e, posteriormente, distribuído para a bancada.
Todo esse contexto acima narrado exerce influência na Teoria Geral do Processo, porque diretamente relacionado com o exercício da jurisdição. Afinal de contas, jurisdição significa a função de compor conflitos litigiosos de interesses, de acordo com as normas editadas pelo legislativo.
Assim podemos concluir que, na realidade, Jurisdição, não se resume na função que o Estado exerce para promover a paz social e a Justiça. Sua característica não é simplesmente compor a lide e promover a pacificação social. Pelo contrário, diante da morosidade dos processos e da nossa realidade política, a Jurisdição está servindo para a manutenção de um “status quo”, dando apenas proteção à ordem social, política e econômica vigentes.
Por outro lado, o processo, dentro desse contexto histórico, não mais pode ser considerado simplesmente um instrumento a serviço da paz social, até porque se trata de um método utilizado para a concretização do direito, daí sua verdadeira finalidade depender dos valores contidos no direito a ser concretizado.
Urge, portanto, a revisão dos conceitos de Teoria Geral do Processo por parte da doutrina para adaptá-lo à nossa realidade, e proporcionar aos estudantes uma visão crítica do direito.