Os acordos nas esferas administrativa e criminal assinados com empresas de construção e serviços de engenharia no âmbito da Operação Lava Jato, até fevereiro deste ano, determinaram a recuperação de cerca de R$ 11,5 bilhões em recursos. O dinheiro advém de acordos contra formação de cartel, firmados com o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), e de acordos judiciais contra práticas de corrupção e lavagem de dinheiro, fechados com o MPF (Ministério Público Federal). De alguns acordos, também participou a Justiça dos Estados Unidos, da Suíça e do Reino Unido.
A recuperação do dinheiro não é imediata, uma vez que o pagamento de alguns valores foi parcelado. O valor do acordo judicial com a construtora Odebrecht, por exemplo, foi dividido em 23 anos.
Dos R$ 11,5 bilhões em recuperação, apenas R$ 300 milhões são oriundos exclusivamente dos acordos com o Cade. O critério utilizado para o cálculo das sanções do Cade teria gerado multas com valores muito baixos, na avaliação de um dos conselheiros do órgão.
Encarregado de fiscalizar e garantir a livre concorrência no Brasil, o Cade considera cartel a prática ou acordo feito entre concorrentes para fixar preços, dividir mercados, estabelecer cotas ou restringir produção e fraudar licitações públicas. Tem consequência grave, uma vez que gera, segundo cálculos oficiais, sobrepreço de 10% a 20% em relação a um mercado competitivo.
Essas sanções financeiras a empresas de construção envolvidas na Lava Jato dizem respeito apenas a condutas anticoncorrenciais na esfera administrativa e não têm a ver, por exemplo, com processos que correm contra elas na esfera criminal, conduzidos pelo Ministério Público Federal.
As multas se originaram de cinco acordos assinados com o Cade, denominados de termos de cessação de conduta (TCC). Por meio desses acordos, a empresa participante de um cartel assume a culpa e se compromete a interromper as práticas ilícitas e a ajudar nas investigações do caso, beneficiando-se de desconto nas multas aplicadas.
Os termos de cessação de conduta foram assinados em duas investigações do Cade: de cartel em licitações de obras continentais (“onshore”) de montagem industrial em unidades da Petrobras, como o Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro), do início dos anos 2000 a 2011/2012; e de cartel em concorrência de montagem eletromecânica na futura usina nuclear de Angra 3, em Angra dos Reis, litoral sul do Rio de Janeiro, em 2013/2014, pertencente à Eletrobras Termonuclear. O contrato era de cerca de R$ 3 bilhões.
Pelo TCC no processo de formação de cartel em obras de montagem industrial da Petrobras, a construtora UTC recebeu multa de R$ 129 milhões; a construtora Camargo Corrêa, de R$ 104 milhões; e a construtora Andrade Gutierrez, de cerca de R$ 50 milhões.
No processo sobre o cartel em obras de Angra 3, o acordo estipulou o pagamento de multa de R$ 10 milhões à UTC e de R$ 6 milhões à Andrade Gutierrez.
Somadas, essas multas chegam a R$ 300 milhões, valor repassado ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, do Ministério da Justiça, com a finalidade de reparar danos.
Conforme a legislação em vigor, o Cade pode punir a empresa condenada por cartel a pagar multa de 0,1% a 20% do valor do faturamento bruto dela no exercício anterior ao processo. A punição também pode ser estendida aos administradores da empresa direta ou indiretamente envolvidos com o ato ilícito, com multa de 1% a 20% da aplicada à empresa.
Conselheiro criticou “baixo valor” de multa
Os valores das multas aplicadas às construtoras não são consenso dentro do próprio Cade. Para o conselheiro João Paulo de Resende, que votou contra a homologação dos TCCs da UTC e da Andrade Gutierrez no caso de cartel em obras da Petrobras, os valores de faturamento utilizados para calcular as multas resultaram em sanções rebaixadas e que não têm caráter dissuasório, isto é, não desencorajam novas práticas ilícitas. Contudo, o TCC foi aprovado em janeiro deste ano pela maioria do plenário do Cade.
Para a multa aplicada à Andrade Gutierrez, que ficou em pouco menos de R$ 50 milhões, o conselheiro avalia que o valor mais próximo da realidade seria de pelo menos R$ 620 milhões, considerando sobrepreço de 10%.
Em seu voto, Resende cita também entendimento do TCU (Tribunal de Contas da União), que avalia o sobrepreço do cartel em 17% e, por isso, levaria a multa à construtora para perto de R$ 1 bilhão.
Acordo beneficia primeira a delatar
Nos dois processos, o Cade também formalizou acordos de leniência. Nas execuções de montagem industrial da Petrobras, foi acertada com a Setal/SOG Óleo e Gás. No caso de Angra 3, o acordo de leniência foi assinado com a Camargo Corrêa.
Nos processos de investigações de práticas lesivas à livre concorrência, a leniência é negociada apenas com a primeira empresa a identificar a existência de um cartel, assumir sua participação e culpa e identificar os demais participantes dele. Para os participantes do mesmo cartel, a opção de acordo é o TCC. As empresas que assinaram os acordos de leniência com o Cade se beneficiaram de isenção da multa.
Na maioria dos casos, foi beneficiada a Andrade Gutierrez, que homologou sua delação premiada em 2015 com a força-tarefa da Lava Jato. Nela, os executivos citaram que o senador Edison Lobão (PMDB-MA) e o ex-governador Sérgio Cabral (PMDB-RJ) receberam propina da empreiteira. Atualmente, a empresa faz uma espécie de “recall”, motivada pela delação de 77 executivos da Odebrecht, para adicionar informações aos depoimentos já relatados.
Já foram assinados pelo Cade, até fevereiro deste ano, outros cinco acordos de leniência em processos de formação de cartel com construtoras envolvidas em denúncias surgidas com a Lava Jato e em desdobramentos dela.
Há cerca de outros 30 processos de cartel relacionados com a Lava Jato em andamento no Cade, mas sobre os quais o órgão não fala “por razões legais e no interesse das investigações em curso”.
Punição suspende novos contratos públicos
Além das sanções contra a ordem econômica no âmbito do Cade, as construtoras investigadas na Lava Jato também estão sujeitas a duas outras esferas de investigação e possível punição: do Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União, que pode aplicar punições administrativas e multas em dinheiro, impedindo a empresa de participar de novas concorrências públicas; e do Ministério Público e da Justiça, na esfera criminal, com penas de prisão e multas em dinheiro.
No campo da Lava Jato, pelo Ministério da Transparência, cinco construtoras já foram consideradas inidôneas e estão impedidas de participar de novas licitações públicas em todas as esferas (federal, estadual e municipal) e negociar contratos públicos por pelo menos dois anos após a publicação da decisão no “Diário Oficial da União”.
“Essa pode ser a pena mais severa para uma empresa que só trabalha com grandes obras, porque essas obras são normalmente contratadas apenas por governo”, contextualiza Thiago Bottino, professor da FGV Direito Rio. “Uma punição, portanto, que poderá quebrar essa empresa, tirando-a de vez do mercado.”
As cinco construtoras que foram incluídas no Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas são: Mendes Júnior (desde abril de 2016), Skanska (desde junho de 2016), Iesa Óleo & Gás (desde setembro de 2016), Jaraguá Equipamentos Industriais (desde dezembro de 2016) e GDK (desde fevereiro de 2017). Elas foram suspensas com decisões baseadas na lei de licitações (lei 8.666/1993), e não na lei anticorrupção (lei 12.846/2013), porque as condutas irregulares se deram antes da entrada em vigor desta última. Essas empresas não receberam multas em dinheiro. A lei de licitações não estabelece formas nem critérios de cálculo de multas.
No Ministério da Transparência, há outros 21 procedimentos administrativos de responsabilização em andamento no âmbito da Lava Jato, sobre as seguintes empresas de construção: Alumni; Andrade Gutierrez; Camargo Corrêa; Carioca Christiani-Nielsen; Construcap; Construtora Odebrecht; EIT; Engevix; Fidens; Galvão Engenharia; MPE; OAS; Odebrecht Ambiental; Odebrecht Óleo e Gás; Promon; Queiroz Galvão; Sanko; SOG (Setal); Techint; Tomé; e UTC.
Dessas 21 construtoras, 12 manifestaram interesse em fazer um acordo de leniência com o Ministério da Transparência, que garantiria que continuassem a disputar obras e contratos públicos, mantendo-se idôneas. As negociações com essas empresas continuam e ainda nenhum acordo foi fechado. Outros três processos, contra as empresas NM, Egesa e Niplan, foram arquivados por falta de provas.
Ministério Público já fechou nove acordos
Com o Ministério Público Federal, as empresas envolvidas na Lava Jato já firmaram nove acordos de leniência, que preveem penas mais brandas em troca de informações que contribuam efetivamente com as investigações. Dois dos acordos seguem em segredo de Justiça.
Para Gil Castello Branco, economista e secretário-geral da ONG Contas Abertas, que fiscaliza as contas públicas em todos os níveis de governo, as empresas envolvidas na Lava Jato “não foram multadas de forma aleatória”, uma vez que se trata do maior escândalo de corrupção do mundo, em termos monetários.
“Essas empresas do cartel espoliaram os recursos públicos ao longo de muitas décadas. Para o mal que essas empresas causaram, estão pagando o preço certo. Não são vítimas.”
Fonte: Uol