Tanchagem, chapéu-de-couro, laranja-amarga, erva-de-bugre, macela, chambá.
Muito usadas pelos avós, essas e outras substâncias, transformadas em medicamentos fitoterápicos, devem ganhar novas regras de comercialização para ter mais espaço nas prateleiras.
A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) discute nesta semana a flexibilização da regra em vigor e ainda a criação de uma nova categoria de medicamentos: a do “produto tradicional fitoterápico”.
O assunto ainda precisará passar necessariamente por consulta pública.
Com funções de expectorante, anti-inflamatório, diurético e tantas outras, os fitoterápicos têm princípios ativos derivados exclusivamente de plantas medicinais.
Nos medicamentos “comuns”, em geral pode haver também componentes sintéticos e biológicos.
Nos últimos anos, houve queda no número de fabricantes dessas substâncias -de 119 em 2008 para 78 em 2011- e no total de produtos no mercado -de 512 em 2008 para 384 três anos depois.
A diminuição vem acontecendo porque muitos dos medicamentos conseguiram seus registros em uma época em que não eram necessários estudos de comprovação.
Quando esses registros expiram, os fabricantes acabam não conseguindo renová-los, e o remédio sai do mercado.
Foi o caso da funchicórea, remédio usado para cólicas em bebês há 72 anos, cujo registro foi cancelado pela Anvisa em 2012.
Hoje, muitos fitoterápicos tradicionais, como o baseado na erva-de-bugre, entram na classe dos medicamentos.
Isso significa que essas drogas só têm sua comercialização autorizada após a apresentação de estudos clínicos e de dados científicos que comprovem a sua eficácia e segurança.
Flexibilização
A ideia da Anvisa é flexibilizar essa cobrança e liberar produtos que comprovem a segurança pelo uso tradicional registrado em artigos e livros -desde que os fabricantes cumpram as regras de higiene atualmente exigidas.
Seguindo regras adotadas por outros países, como a Alemanha, a medida deve ter mais impacto em produtos para sintomas de baixa gravidade, como cólicas e prisão de ventre.
‘Já existia a abertura para reconhecer a tradicionalidade do uso, mas era insuficiente para garantir que os produtos ficassem no mercado. A área técnica exigia estudos que muitas vezes não estão disponíveis, e o registro ou sua renovação era negado”, explica Dirceu Barbano, diretor-presidente da Anvisa.
Barbano afirma que há consenso entre os diretores da Anvisa sobre a necessidade de aproveitar mais o conhecimento tradicional.
“Vivemos num país com biodiversidade e tradicionalidade grandes que acabam sem reconhecimento.”
Apesar da queda nos registros, o setor vê aquecimento no mercado nos últimos anos no país, chegando a valores próximos de U$ 550 milhões em 2010.
As regras para registro e as exigências de produção para a nova categoria ainda não foram definidas. Já existe, porém, uma lista de substâncias preparada pela Anvisa que servirá de referência o “formulário de Fitoterápicos, Farmacopeia Brasileira”.
A proposta é que substâncias que estão na lista não precisem comprovar a existência do uso tradicional.
E as que estão fora dela -caso dos componentes da funchicórea, hoje vetada- tenham que fazer a comprovação para serem liberadas.
Migração
A atual regulamentação do setor é diferente da de países europeus e fez com que muitas empresas fechassem ou migrassem para o ramo de cosméticos, argumenta Henrique Tada, diretor-técnico-executivo da Alanac (Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais).
“No Rio Grande do Sul, que tinha um polo grande de fitoterápicos, 80% das empresas fecharam pelo grau dessa regulamentação”.
Já Raymundo Paraná, hepatologista e professor da Universidade Federal da Bahia, faz críticas à redução de exigências sobre os medicamentos fitoterápicos.
Segundo ele, independentemente de serem mais “naturais” do que os medicamentos tradicionais, os remédios derivados de plantas medicinais podem ser tóxicos e causar danos ao fígado, assim como qualquer droga comum.
Por isso, precisariam de uma regulamentação tão rígida quanto.
“Toda e qualquer medicação, não importa se é fitoterápico ou contra sintomas, tem que ter comprovação científica em estudos avançados. Sem isso, não podemos assegurar a eficiência e, sobretudo, a segurança.”
Fonte: UOL