AS NOVE MALDIÇÕES

 

Vitor de Athayde Couto

 

Miguel, com seus dez anos de idade, era um menino muito inteligente, curioso, perspicaz e de sensibilidade mediúnica. No passeio pela praça mais importante da cidade, ele ficou paralisado diante da estátua pedestre. Havia algo estranho, exalando maldade, no olhar daquele herói ali representado. Perturbado, Miguel correu até o banco da praça onde se encontravam sua avó e duas irmãzinhas. Respirou fundo e permaneceu em silêncio durante uma boa meia hora, enquanto sua avó contava a seguinte história aos três netinhos:

– Houve um tempo em que esta praça era muito bonita, repleta de palmeiras imperiais da Índia e flamboyants da Nova Caledônia. A praça era tão bonita que ganhou nome de santa de reza forte, padroeira da cidade de Hermópolis, em homenagem a Hermes, deus grego dos ladrões e do comércio. Nunca se soube por que os gregos antigos uniram ladrões e comerciantes sob a proteção do mesmo deus, mas há quem desconfie, pois deve haver alguma razão.

Durante várias gerações de hermopolitanos, as avós contavam aos netos que a praça é mal-assombrada. Nesse ponto da história, Miguel, ainda apreensivo, não esquecia o olhar assustador do homem mau, ou melhor, da estátua.

– Por que a praça não é mais bonita como nas fotografias antigas, vovó? – os netinhos sempre faziam essa pergunta.

Depois de acomodar, num dos bancos da praça, os três netinhos Mike Miguel, Stephany Estefânia, e Daisy Margarida, vovó suspirou profundamente.

Vó Branquinha – assim era tratada a última avó ainda viva de uma família de brancos – era tão branca, magra e transparente que dava pra ver todas as suas veias azuladas por baixo da pele. Na escola, o bullying que ela sofreu na infância consistia em posar como modelo ideal para atividades práticas no laboratório de Anatomia, durante as aulas de Ciências.

Depois de se benzer três vezes, Vó Branquinha murmurou um louvado seja e começou, não sem antes olhar pros lados, pra frente, pra trás e pros céus, elevando os bracinhos magros e compridos. Ela só não olhava para a estátua:

– Esta praça… – gaguejou, hesitante, apertando um rosário que ela mesma fez com sementes de mulungu.

– Que foi, vovó? – perguntou Stephany Estefânia.

– Esta praça, Estefânia… – vovó nunca mencionava nomes dos netos em inglês ou qualquer outra língua que não fosse o Brasileiro.

– Sim, o que foi? – perguntaram ao mesmo tempo os três netinhos assustados.

– Esta praça… dizem… dizem que é mal-assombrada – e se benzeu outra vez.

Diante do silêncio e atenção redobrada, Vó Branquinha prosseguiu:

(Continua na próxima sexta-feira)

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