O presidente do Barcelona, Josep Maria Bartomeu, e seu antecessor, Sandro Rosell, declararam à Justiça da Espanha que fecharam a contratação de Neymar em dezembro de 2011, quando o jogador tinha contrato com o Santos até agosto de 2014.
Segundo as regras da Fifa, um atleta só pode assinar com outro clube quando faltar menos de seis meses para o fim de seu contrato. Esta negociação, porém, foi autorizada pelo então presidente do Santos, Luis Alvaro de Oliveira Ribeiro (morto em 2016). Barcelona e o estafe de Neymar descreviam esse pagamento como um empréstimo.
O GloboEsporte.com obteve áudios e transcrições dos depoimentos prestados por Rosell em 2014 e Bartomeu em 2015 no âmbito de uma investigação movida pelo fisco espanhol. O caso foi encerrado por meio de um acordo – o Barcelona aceitou pagar uma multa de 6 milhões de euros às autoridades da Espanha. É o motivo pelo qual nem o clube europeu e nem Neymar quiseram comentar o caso.
Num depoimento prestado em julho de 2014, Rosell declarou ao juiz Pablo Ruz que havia outros clubes interessados em contratar Neymar, e por isso recorreu a um adiantamento para assegurar que o jogador fecharia com o Barcelona. O estafe de Neymar tinha uma carta do então presidente do Santos, Luis Alvaro Oliveira Ribeiro, que os autorizava a negociar.
– Havia outros clubes com outras cifras. Então, quando voltamos a acertar por 40 milhões de euros […] o pai de Neymar me disse: “Isto é o sinal?”. E então eu lhe disse: “Muito bem, quanto quer de sinal?”. “Quero 10 [milhões de euros]”. “Pois te daremos o sinal de 10”. Sorte que ele me pediu, senão eu teria oferecido. Eu teria dito: “Veja, não quer nada adiantado?”
– E essa negociação, entende você, é um pagamento como sinal – comentou o juiz Ruz.
– Um sinal muito bem pago com empréstimo – respondeu Rosell.
O juiz insistiu:
– Quando alguém fala em um sinal é uma coisa, quando se fala de empréstimo é outra. Por isso, digo: quero saber se o que se conversou entre vocês foi de adiantar um sinal e o clube (Barcelona) decidiu que se formalizaria como um empréstimo. É assim, verdade?
Nos áudios, porém, não é possível ouvir a resposta de Rosell a esta pergunta. O dirigente renunciou e foi sucedido por Josep Maria Bartomeu, que também prestou depoimento sobre o caso. Numa audiência realizada em fevereiro de 2015, Bartomeu declarou:
– Havia três jogadores neste país [Brasil] muito interessantes para contratar. Dos três, dois foram para outros clubes europeus, sobrou Neymar. Então iniciamos uma conversa com o pai de Neymar para que quando acabasse o contrato com o Santos, viesse jogar no Barcelona. É um contrato um pouco para amarrar o jogador. No momento que ficasse livre do Santos, viesse jogar no Barcelona. No fundo, é um contrato para amarrar. É um contrato como se fosse… não um pagamento antecipado, mas quase-quase um pagamento antecipado para assegurar que ele não fosse para outro clube.
A assessoria de imprensa de Neymar informou que não comentaria o caso porque ele já foi encerrado pela Justiça na Espanha. O Barcelona enviou uma nota ao GloboEsporte.com na qual diz:
– A Justiça já dispõe de toda a informação requerida sobre o tema e não há nada mais a acrescentar nem comentar por parte do clube.
O contrato de empréstimo
O caso em que esses depoimentos foram tomados já foi encerrado. Há outro em curso n Espanha. E há ainda uma ação movida pelo Santos contra o Barcelona na Fifa.
O clube brasileiro acusa o espanhol de aliciamento, por entender que houve assinatura de pré-contrato fora do período de negociação permitido pela Fifa (os últimos seis meses de um contrato).
O pagamento de 10 milhões de euros feito em 2011 é um dos argumentos do Santos nesta ação. Porém, a autorização dada por Luis Alvaro Oliveira Ribeiro, presidente em 2011, deve enfraquecer a posição do Peixe na disputa. Hoje, o Santos tenta convencer a Fifa que a carta não permitia ao atleta assinar contrato sem o conhecimento do clube.
Barcelona e Neymar começaram a conversar na metade de 2011. De agosto a novembro daquele ano, o clube catalão enfrentou forte concorrência do Real Madrid. Para assegurar a contratação, o Barça adiantou 10 milhões de euros à N&N Consultoria, uma das empresas do pai de Neymar.
As duas partes sempre trataram este pagamento como um empréstimo, um contrato civil, não esportivo, e portanto fora da legislação da Fifa. À corte espanhola, os dirigentes do Barcelona falam abertamente sobre o pagamento de um “sinal” e relatam preocupação em esconder o adiantamento por meio de um contrato de empréstimo.
No dia 15 de novembro de 2011, o Barcelona assinou um contrato com a N&N, companhia criada semanas antes. Nesse acordo, as partes acertam a transferência de Neymar ao Barcelona por 40 milhões de euros e definem até os salários que o craque ganhará, como o GloboEsporte.com revelou.
Em 6 de dezembro de 2011, poucos dias antes de o Santos enfrentar o Barcelona na final do Mundial de Clubes, foi firmado um contrato de 10 milhões de euros – no documento estão as assinaturas de Neymar, de seu pai, de Rosell e do então vice de finanças do Barcelona, Javier Faus Santasusana. Os demais 30 milhões seriam pagos em 2013, quando Neymar finalmente se transferiu para o clube catalão.
Discrição
No interrogatório, Rosell detalhou como negociou diretamente com o pai de Neymar este pagamento. Segundo o cartola, sempre ficou claro que se tratava de um adiantamento. O corpo jurídico do Barcelona, porém, entendeu que era melhor formalizar o contrato como um empréstimo.
Durante a audiência, Ruz citou que o valor apareceu no balanço financeiro do Barcelona de 2011 sob a rubrica “intangível imobilizado desportivo”, um conceito utilizado para aquisição de direitos de atletas, renovações e similares. O juiz questionou Rosell se o cartola entendeu essa como a melhor forma de contabilizar o montante e recebeu resposta positiva do dirigente. Que explicou:
– Nós tínhamos um acordo com o pai, Neymar Senior, de que faríamos o empréstimo, e ele então disse: “E alguém saberá?”. Dissemos: “Bom, tentaremos que não”. Tem que saber quem tem que saber, que é o auditor (do balanço), e depois colocamos nas contas – disse Rosell ao juiz.
– Havia a preocupação óbvia (do pai de Neymar) de que saberiam que seu filho havia assinado com um clube e que tinha chegado a um acordo para a transferência do jogador dois anos antes de ir. Dissemos: “Tentaremos ser os mais prudentes e cautelosos que pudermos” – completou Rosell.
Em seu depoimento, Bartomeu também fala sobre a necessidade de tratar o assunto “com discrição”.
– Tentamos tratar com a máxima discrição, para que não houvesse vazamentos, […] porque o jogador estava no Santos, era importante que a torcida do Santos não soubesse. Havia um pré-acordo com um time que não era o dele. Por isso tratamos com tanta discrição.
Sem garantias
Ao contrário do que normalmente ocorre num contrato de empréstimo, o Barcelona não exigiu qualquer garantia da N&N no acordo fechado em 2011. O que gerou estranheza no juiz Pablo Ruz.
– Você teve conhecimento, quando assinou o empréstimo, do porquê de não contemplarem juros ou garantias de devolução, como é habitual em contratos de empréstimo econômico? – perguntou Ruz a Rosell.
– Não – respondeu o dirigente.
– Te pareceu estranho que não se contemplam juros no acordo de empréstimo? – voltou a questionar o juiz.
Rosell se esquivou:
– Não, não. Porque… bom, sigo convencido de que tudo feito pelo clube foi perfeito e legal e amparado na lei.
Fonte: Globo Esporte