BEM-VINDOS A ROMA I
Vitor de Athayde Couto
Minha vó Ceiça – conta Mani – não sabe onde nem quando os falocratas chegaram por aqui. Nem em que porto embarcaram. O tempo passa. Os historiadores continuam teimando e assim preenchem o tempo ocioso.
Expulsas da Falocracia, reino conquistado e submisso ao antigo Império Romano Oriental, as primeiras gerações dos falocratas de raiz dominavam o Latim da época, quando desembarcaram em Parnasia. Ninguém sabe nem mesmo em que século ocorreu o primeiro desembarque. Todavia, muitos parnasianos garantem que basta pesquisar na internet. Segundo eles, tudo se resolve na hora. Afinal, o gúgli tem resposta pra tudo haha.
Certa vez minha vó confessou que não se lembrava mais da Ave Maria, em Latim. Nunca mais rezou, porque o pastor proibiu, glória a deus! Por isso, ela acabou esquecendo. Dali em diante só se podia falar em nome de Falo, o deus da Falocracia. Mas ela jura que não ficou triste. Se o pastor queria, né? Ele disse até que ela não devia nunca se apresentar como Conceição. Disse também que Nossa Senhora é a mesma Nanã, coisa do demônio. Daí, mandou todo mundo chamar minha vó de Ceiça. Conceição agora é proibido. Nunca existiu concepção. Glória ao menino deus inconcebido, agora órfão de mãe. Num evento ecumênico promovido pela “Rádio Allelujah”, um pastor declarou que Jesus nasceu de chocadeira. Visivelmente chocado (aff), o padre João sugeriu que os neocristãos adquirissem pequenas imagens de chocadeiras decorativas para venerar. A sugestão viralizou. Logo se formou um nicho de mercado. Os chineses, felizes, continuam faturando muito com a promoção. Desde 2018 já exportaram 57 milhões de minichocadeiras verde-amarelas para decoração da casa. “Compre uma chocadeira e ganhe uma bandeira”.
Na Praça da Graça Internacional, uns coroas aposentados reúnem-se todo dia pra jogar damas e falar merda. Alguns ainda se lembram de rudimentos do Latim falado pelos seus antepassados. Muito latinório vulgar passa de pai para filho. Repetem ditados, em Latim, tentando fazer rir. São ditados machistas, misóginos e homofóbicos, com uma variante parnasiana: todo mundo adora falar a palavra rábula, mesmo sem saber o que significa.
Um dia, passei pela praça e ouvi alguns desses ditados clássicos. Gravei estes dois, mais ou menos assim: rabula beborum abend not dominum. Tradução: cu de bêbado não tem dono! Outro que ouvi: in rabula cannis, mosquitorum festorum facit. Tradução: em cu de cachorro mosquito faz a festa. E assim vão preenchendo suas vidas, sempre rindo e fiéis à velha cultura de cabaré de cais de porto. Parnasia ostenta elevado índice de qualidade de sobrevida de pessoas aposentadas e desocupados em geral.
Quando um turista estrangeiro voa até Parnasia, por um instante pensa que aterrissou em Fiumicino, na cidade eterna. Não se sabe a origem do nome desse aeroporto, mas os historiadores garantem que, em romano, deve ser rio dos sinos ou rio chinês, sei lá. De fato, ao longo do rio Piroga Grande, veem-se muitos campanários.
Outra versão vem da fumaça (fumo) provocada pelas queimadas próximas ao aeroporto. O igarapé Tiberis, paralelo à pista, tem as margens cobertas por uma vegetação nativa conhecida como mata ciliar de cocais. Todo ano esses campos são queimados para o plantio de arroz macedônio, muito procurado para fazer pó e branquear a raça. O certo é que, de eterno, em Parnasia só tem mesmo o cemitério, apesar das grilagens. Povoado de ciprestes toscanos, flores brancas e moitas de basílico, o cemitério ainda resiste. Felizmente os mortos são mais corajosos. A fumaça das queimadas e os urubus provocam muitos acidentes aéreos fatais. As funerárias prosperam e agradecem.
(próxima crônica: “BEM-VINDOS A ROMA II”)
COMENTÁRIOS
Sobre a crônica “Os empresários”:
Um leitor lembra que esse gosto pela sonegação fiscal data do tempo da inconfidência mineira, quando o desejo de sonegar transformou-se em luta pela independência, comemorada no dia 7 de setembro.
Outro leitor enviou o link “Emprecariado”, do Greg News. Muito didático e esclarecedor a respeito do empresariado parnasiano. Juro que não conhecia, e achei muito interessante.
Já uma leitora declarou que está torcendo (nós também) pela recuperação do Erasmo Carlos, nosso patrono. Por que patrono? – perguntei. Ela respondeu: ora, o tremendão é o autor de “Pega na mentira”, e a mentira é o principal objeto desta série de crônicas. De fato, Parnasia detém a maior densidade mitográfica do Brasil, medida em número de mentirosos por m2.
Outro parnasiano, Maruzinho, alertou:
– Galera! Aconteceu de novo!
– O quê? – perguntei.
– Guirindó.
– O que que tem?
– Sumiu.
– Ora, mas isso é normal – disse. Guirindó vive sumindo.
Maruzinho relatou que foi até a casa de Guirindó. Ultimamente ele anda muito preocupado. Disseram que ele vive deprimido porque não consegue mais se comunicar com os outros parnasianos. Segundo Maruzinho, os parentes dele não estão entendendo nada, mas deixaram escapar uma informação que pode ser chave: GUIRINDÓ RESOLVEU ESTUDAR LATIM!
– Por quê? Por quê? – perguntei.
– Acho que é pra ele entender o que falam os ministros do SDF.
– STF, corrigi.
– Não, é SDF mesmo – insistiu Maruzinho. SDF são as iniciais de Supremo De Frango. São tantos datavênias e ipsofactos, que nenhum dicionário resolve.
E assim Parnasia tornou-se uma grande atração turística, onde prosperam cursos de Latim. Bem-vindos ao passado.
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Escute o texto com a narração do próprio autor: