Ministra também chefiará o CNJ por dois anos; Toffoli será o vice. Mineira chamou Caetano Veloso para cantar hino e dispensou festa.
A ministra Cármen Lúcia toma posse nesta segunda-feira (12) como presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), a mais alta Corte do país. Durante o mandato de 2 anos, ela também chefiará o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de controle do Judiciário. O vice do STF será Dias Toffoli, que também será empossado na cerimônia, marcada para as 15h.
Há 10 anos no STF, Cármen Lúcia será a segunda mulher a ocupar o cargo. Quando foi nomeada, em 2006, por indicação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a presidente da Corte era a ministra aposentada Ellen Gracie.
Para a solenidade de posse foram convidadas cerca de 2 mil pessoas, entre autoridades dos Três Poderes, membros do Ministério Público, advogados e familiares. A sessão será aberta pelo atual presidente, Ricardo Lewandowski, e pelo presidente da República, Michel Temer.
Para cantar o hino nacional, foi convidado Caetano Veloso. Fugindo à tradição, Cármen Lúcia declinou de uma festa de posse, em geral paga por associações de magistrados num salão de festas em Brasília. A dispensa é motivada pelo momento de crise econômica, mas também traduz parte do estilo de vida contido e modesto da ministra (leia mais abaixo).
O discurso de boas vindas será feito, por escolha de Cármen, pelo ministro Celso de Mello. A secretária-geral do STF e braço direito da ministra será a juíza Andremara dos Santos.
Mudanças
Como presidente do STF, caberá a Cármen Lúcia elaborar a pauta semanal de julgamentos do plenário, formado pelos 11 ministros da Corte. Com isso, ela deixa a Segunda Turma e dá lugar a Lewandowski. O colegiado, formado por cinco ministros, analisa, entre outros casos, a maioria dos processos de políticos investigados na Operação Lava Jato.
Lewandowski também assumirá a responsabilidade sobre 3,2 mil processos hoje sob relatoria de Cármen Lúcia.
Entre os mais importantes, está uma ação que questiona a lei de 2013 que mudou a divisão dos royalties do petróleo, cortando fatia de estados e municípios produtores em favor dos demais. A nova regra foi suspensa por Cármen Lúcia no mesmo ano, mas o julgamento definitivo sobre o caso poderá validar a lei e redistribuir a verba gerada com a commodity.
Outro caso importante a ser repassado ao ministro são investigações da Operação Zelotes, envolvendo autoridades suspeitos de envolvimento em compra de decisões do Carf, órgão que analisa contestações a cobranças de tributos e multas pela Receita.
No CNJ, Cármen Lúcia já anunciou que fará uma gestão voltada para a situação de mulheres presas, como tentativa de melhorar a situação de vida delas. No STF, tende a priorizar ações de impacto social — o sinal foi dado na pauta da primeira semana, voltada a ações trabalhistas e que envolvem direito à educação, saúde e proteção à família.
Perfil
Nascida em 19 de abril de 1954 em Montes Claros (MG), Cármen Lúcia Antunes Rocha viveu a infância em Espinosa, cidade de 32 mil habitantes localizada no extremo norte de Minas, quase na divisa com Bahia.
Tem duas irmãs e três irmãos. Aos 10 anos, mudou-se para Belo Horizonte para estudar num internato de freiras. Professa a religião católica e nunca se casou nem teve filhos.
A ministra costuma preparar as próprias refeições e cuidar da casa, além de dirigir o próprio carro para ir ao STF, dispensando motorista e carro oficial.
O estilo modesto e contido ficou explícito no último dia 6, quando se despediu dos colegas da Segunda Turma do STF: “Eu não tenho a mesma, digamos, tranquilidade para algumas funções do cargo de ministro do Supremo, porque não gosto muito de festas, de nada disso. Eu gosto de processo”, disse, acrescentando que é “muito feliz” e se diverte nas sessões.
Formada em direito, em 1977, pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), começou a carreira jurídica como advogada, mas, antes de chegar ao Supremo, foi procuradora do estado de Minas.
Cármen Lúcia é mestre em direito constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e especialista em direito empresarial pela Fundação Dom Cabral. Ela é autora de sete livros focados, sobretudo, em direito de Estado e administração pública.
Posições
Cármen Lúcia se destaca pela fala firme, pausada e didática durante os julgamentos. Assim como o colega Luís Roberto Barroso, gosta de esclarecer e resumir, de forma simples em seu voto no plenário, decisões técnicas e complexas que estão sendo tomadas pela Corte.
A ministra também chama a atenção por frases impactantes ao expressar suas posições, sobretudo em casos polêmicos. Uma das últimas foi dita quando defendeu o fim da necessidade de autorização prévia para publicações de biografias:
“Na ciranda de roda da minha infância, alguém ficava no centro gritando ‘cala a boca já morreu, quem manda na minha boca sou eu’. O tempo ensinou-me que era só uma musiquinha, não uma realidade. Tentar calar o outro é uma constante, mas na vida aprendi que quem por direito não é senhor de seu dizer, não se pode dizer senhor de qualquer direito”.
Em outro julgamento recente, votou para suspender a lei que autorizou pacientes com câncer a fazer uso da fosfoetanolamina sintética, a chamada “pílula do câncer”. Justificou que faltavam estudos para demonstrar a eficácia ou mesmo efeitos adversos do medicamento. Antes, porém, ponderou sobre o sofrimento dos pacientes:
“A dor tem pressa, o desengano impõe uma demanda urgente, leva até o desespero. Quando a pessoa está no desengano, ela busca qualquer coisa, eu também buscaria […] O câncer tem um peso pelo nome, a palavra é tão pesada, tão estigmatizada, que por ela já leva ao desengano, e leva ao sofrimento não só uma pessoa, às vezes muito mais quem está perto e que queria se colocar no lugar do outro e não pode. E a vida não é assim”.
Ao julgar casos de corrupção, a ministra foi dura nas palavras. Quando votou a favor da prisão do senador cassado Delcídio do Amaral, gravado tentando obstruir a Operação Lava Jato, fez uma leitura crítica da trajetória do PT no poder:
“Na história recente da nossa pátria, houve um momento em que a maioria de nós brasileiros acreditou num mote segundo o qual uma esperança tinha vencido o medo. Depois, nos deparamos com a ação penal 470 [mensalão] e descobrimos que o cinismo tinha vencido aquela esperança. Agora parece-se constatar que o escárnio venceu o cinismo”.
Quando julgou o mensalão, Cármen Lúcia repreendeu a própria defesa de Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT que tentava atribuir repasses a políticos somente como caixa dois (doação não declarada de campanha) e não como compra de apoio parlamentar:
“Acho estranho e muito, muito grave, que alguém diga, ‘houve caixa 2’. Caixa 2 é crime, é agressão contra a sociedade brasileira. Mesmo que tivesse sido isso, não é pouco. Me parece grave, porque parece que ilícito no Brasil pode ser realizado e tudo bem”.
Fonte: G1