Epicentro da crise, indústria pode puxar a recuperação econômica.
SÃO PAULO e BRASÍLIA – Com a expectativa de um bom desempenho das exportações, economistas começam a vislumbrar uma retomada mais vigorosa da economia brasileira em 2017. Enquanto o governo espera um crescimento de 1,2% para o ano que vem, algumas projeções já apontam expansão de 2%. Na visão desses especialistas, o bom desempenho, no mercado externo, de diversos setores da indústria — como alimentos, bebidas, produtos têxteis, máquinas, couro, calçados, celulose e papel, madeira e automóveis — pode puxar a recuperação econômica. O setor têxtil, por exemplo, viu as exportações de fios saltarem 146% no primeiro semestre, e a indústria automobilística registrou aumento de 14,2% nas vendas ao exterior.
— O desempenho ruim da indústria foi o epicentro de nossa crise, e a retomada do crescimento do país passa por sua recuperação. A exportação é o principal motor desse movimento, e a substituição das importações também ajudará — diz o economista Rafael Cagnin, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), que não faz projeções para a economia em 2017, mas acredita que o desempenho deve ser positivo.
CONQUISTA DE NOVOS MERCADOS
Um estudo do economista Rodolfo Margato, do banco Santander, avalia que a economia brasileira chegou ao fundo do poço este ano, e, a partir de 2017, os investimentos, depois de três anos encolhendo, vão puxar a retomada. Com isso, o Santander prevê que o Produto Interno Bruto (PIB) tenha expansão de 2% no ano que vem e de 3% em 2018.
— Depois de ter recuado 30% no acumulado entre 2014 e 2016, estimamos que o investimento possa crescer 6% em 2017, com a recuperação da confiança do empresariado e a queda dos juros — avalia Margato, que projeta a taxa básica de juros (Selic) em 10% no fim de 2017.
Apesar da baixa utilização da capacidade instalada na indústria, observa Margato, o aumento das exportações de manufaturados e a substituição de importações exigirão investimentos em novos processos de produção, distribuição e tecnologias, para que o país aumente a competitividade a fim de ganhar mercados. Internamente, diz o estudo, o consumo continuará deprimido, em meio a um cenário macroeconômico adverso, com desemprego alto e queda na renda das famílias.
O economista do banco Fibra, Cristiano Oliveira, também vê o comércio exterior como um dos principais fatores da volta do crescimento. Otimista, ele estima expansão do PIB de 2,1% em 2017.
— Como estimamos uma expansão de 2% para o PIB e de apenas 0,5% para a demanda interna, a conclusão é que o setor externo responderá por boa parte desse crescimento — ressalta Oliveira, que cita a indústria automotiva entre os setores cujas exportações devem puxar a retomada.
Embora venha amargando quedas da ordem de 20% nas vendas internas e na produção, as exportações da indústria automobilística brasileira cresceram 14,2% no primeiro semestre, somando 226,6 mil unidades. Segundo a Anfavea, associação que representa os fabricantes, houve aumento das vendas a clientes tradicionais, como Argentina e México, e a conquista de novos mercados na América Central e no Oriente Médio.
— As negociações entre as indústrias instaladas no Brasil e o Irã para exportação de veículos estão avançando, com algumas montadoras mais próximas de fechar negócios — diz o presidente da Anfavea, Antonio Megale, que vê, no mercado iraniano, potencial de compra de 140 mil carros, 35 mil caminhões e 17 mil ônibus.
Marcelo Carvalho, economista-chefe para a América Latina do banco BNP Paribas, também estima expansão de 2% para o PIB em 2017. E afirma que a reação virá pelo investimento, já que o consumo das famílias será o último a reagir.
Com o dólar médio em torno de R$ 3,60 no primeiro semestre, muitos setores já ganharam terreno nas exportações. O Ministério da Agricultura, por exemplo, informou que as vendas do agronegócio somaram US$ 45 bilhões, alta de 4% frente ao mesmo período de 2015. Foi o terceiro melhor resultado da série histórica, iniciada em 1997.
O setor calçadista também já colhe ganhos no front externo. Segundo a Abicalçados, associação que representa a indústria, nos seis primeiros meses do ano, as vendas subiram 3,3% em volume, em relação ao mesmo período de 2015, mas estão 2,7% inferiores em receita (US$ 451,47 milhões). Ainda assim, para alguns mercados as vendas dispararam. Para a Argentina, o crescimento no período foi de 85%, somando US$ 41,4 milhões, um aumento de 56,8% em faturamento. Os embarques para os Estados Unidos, o maior comprador dos calçados brasileiros, cresceram 24,3% em número de pares e 17% em faturamento, chegando a US$ 102,54 milhões. No mesmo período, as importações de calçados importados caíram 35% em volume e 38,3% em receita.
— O câmbio trouxe uma vantagem com preços mais competitivos no primeiro semestre. Mas estamos preocupados com a volatilidade. Por vezes, é melhor um câmbio mais baixo do que flutuando como está — diz Heitor Klein, presidente-executivo da Abicalçados, lembrando que o calçado brasileiro ganhou novos mercados, como os Emirados Árabes.
No setor têxtil, em volume, a exportação de fios avançou 146% no primeiro semestre, a de tecidos, 25%, e a de confecções, 22%. A Abit, que representa a indústria, mantém as projeções para as exportações este ano: estabilidade no vestuário e crescimento de 9% em produtos têxteis. Mas ressalta que a volatilidade do dólar inibe investimentos em maquinário.
APRECIAÇÃO DO REAL É RISCO
Especializada em transações comerciais entre o Brasil e os Estados Unidos, a consultoria Drummond Advisors, de São Paulo, viu o movimento de empresas interessadas em exportar aumentar 70% apenas no primeiro trimestre deste ano em relação ao mesmo período de 2015. Foram 68 empresas, de micro a companhias de capital aberto, a procurarem auxílio para começar a vender aos EUA. São companhias do setor de tecnologia, bebidas e alimentos.
— O dólar alto ajudou, mas o cenário econômico ruim também fez crescer a procura por novos mercados e novas fontes de receita — explica Michel Drummond, sócio da consultoria.
Margato, do Santander, ressalta que a projeção de crescimento considera avanço no ajuste fiscal. Já o economista do Iedi, Rafael Cagnin, teme que a apreciação do real frente ao dólar possa tirar o “fôlego do motor das exportações”. Ontem, a moeda americana encerrou a R$ 3,31.
Divulgado ontem pelo Banco Central, o boletim Focus reduziu sua projeção para o dólar no fim deste ano de R$ 3,46 para R$ 3,40. Para 2017, recuou de R$ 3,70 para R$ 3,55. A estimativa para a expansão do PIB permaneceu em 1%.
Fonte: O Globo