CURRÍCULOS RIDÍCULOS V
Vitor de Athayde Couto
Na página do Lattes, o dotô delegado lê: “A Plataforma Lattes é um sistema de currículos virtual criado e mantido pelo CNPq…”
César Lattes foi um cientista brasileiro indicado ao prêmio Nobel de Física. Merecida homenagem.
Na plataforma, que é pública, encontram-se trajetórias de vidas acadêmicas. Basta digitar o nome da pessoa pesquisada e abrir o currículo. A formação dessa pessoa aparece na seguinte ordem: “Formação acadêmica/titulação + Pós-doutorado e/ou livre docência + Formação complementar.”
Para evitar problemas, ao conceder uma bolsa de estudo ou pesquisa em outro país, as principais instituições de incentivo à pesquisa e pós-graduação (CAPES, CNPq, FAPESP…) exigem atestados de proficiência na língua em que o curso ou estágio é realizado. Exceção feita quando o candidato a uma bolsa de pós-doutorado vai para o mesmo país onde cursou o doutorado. As bolsas de pós-doutorado e pesquisador sênior têm uma alta relação candidato-bolsa. O seu valor mensal é maior do que para as bolsas dos doutorandos. As atividades devem ser cumpridas no prazo estabelecido no plano de trabalho aprovado. É obrigatório anexar cartas de aceitação da instituição e do orientador, ambos de renome. Em princípio, a instituição deve constar em uma rigorosa lista de centros de excelência. Fora da lista, é quase impossível conseguir a bolsa.
Já avaliei planos de trabalho para 12 meses, prorrogáveis por mais 12. Nos planos, prevê-se como resultado um relatório de pesquisa robusto (ou outro produto, conforme a área de conhecimento). Esse relatório ainda tem que ser aprovado por um comitê ad hoc.
Muitos estágios de pós-doutorado são realizados na mesma instituição que outorgou o doutorado. Um dos objetivos é trabalhar na fronteira do conhecimento na área e atualizar informações. Meu estágio de 1991-1992 (Rouen, Paris I e Gerpisa), orientado pelo Professor Bruno Jetin, foi imprescindível para que, depois, eu viesse a produzir e defender uma tese em concurso público para Professor Titular Livre da UFBA, em 1999. A banca examinadora foi presidida pelo Professor Wilson Cano, da Unicamp. Nenhum membro da banca pertencia à minha instituição (UFBA), nem poderia ter relação de parentesco comigo até o terceiro grau. Nem mesmo profissional (orientação, publicação conjunta, etc.). Lembro que o Professor Antonio Maria da Silveira, da FGV, declinou da minha banca, apenas porque ele me conhecia – já que, por um curto período, havíamos trabalhado juntos numa comissão de especialistas da Sesu/MEC, em Brasília, para avaliar projetos de novos cursos superiores, junto ao CNE.
Como isso não é assunto para políticos (senadores, por exemplo), volto ao CNPq, com uma informação que algumas pessoas ainda desconhecem: quem já foi bolsista e publica trabalhos, é obrigado a mencionar a sua formação logo após o seu nome, seja doutor, pós-doutor, livre docente, etc., conforme está no formulário do CNPq. Assim reza o contrato de concessão da bolsa. Até o segundo ano depois de concluído o curso, costuma-se informar também o nome da instituição que concedeu a bolsa.
Notem os leitores que eu não me referi a titulações, mas à formação, conforme consta no Lattes. Mesmo assim, os acadêmicos fazem diferentes leituras. Como em toda organização humana, a academia de ensino e pesquisa também é objeto de mal-entendidos. Não raro, emergem vaidades e outros pecados capitais. Na hierarquia da carreira acadêmica, a turma do andar de baixo debocha da turma do andar de cima. Pelo menos até o dia em que galgam outros degraus na sua formação.
É muito importante que o currículo Lattes esteja sempre atualizado. Tudo tem que ser comprovável antes mesmo do preenchimento. Para isso existe um termo de adesão. Publicações só podem ser registradas se tiverem ISBN, ISSN ou DOI. Sem conselho editorial ou reconhecimento nos sistemas de qualificação (Qualis, por exemplo), não se pontua quase nada. Ou nada.
Bem, pelo menos nas instituições de ensino e pesquisa de excelência, o currículo é levado a sério. Afinal, é um dos poucos itens de avaliação objetiva. Simpatias e outras subjetividades dificilmente operam quando se analisam currículos. É matemático. Nos concursos públicos e outros tipos de seleção define-se previamente um barema para avaliação quantitativa, com base na soma de pontos. Quando se trata de autarquias republicanas, publicam-se no DO e outros meios, editais de concurso ou seleção, para que todos os interessados tomem conhecimento. Previamente. Conforme os resultados, cabe recurso do candidato junto aos conselhos superiores, e, em última instância, na Justiça. Infelizmente, em certos ambientes ainda operam influências e acertos políticos locais. Como dizia o meu estimado Professor Celso Furtado, “subdesenvolvimento não se mede só por pibes e rendas per capita”.
Torço para que todas as Tainás, Gabrielles, Valdersons, Andrezas… continuem preparando seus currículos com a devida seriedade. Espero também que, um dia, esses jovens brasileiros encontrem instituições e organizações onde se avaliem seus currículos com a mesma seriedade com que foram elaborados, e encontrem seus empregos reais, ao invés de narrativas de políticos que prometem abstrações como o primeiro emprego.
Resta uma pergunta: por que tantos currículos elaborados com descuido são de bacharéis em Direito?
(Continua)