CURRÍCULOS RIDÍCULOS VI (FINAL)

 

Vitor de Athayde Couto

Resta uma pergunta: por que tantos currículos elaborados com descuido são de bacharéis em Direito? Currículos damarianos, sallesianos, kassianos… Coincidência? Como se não bastasse o descuido, um pequeno giro na mídia ainda revela casos de nepotismo em pleno século XXI.

 

Um fato bem recente, que causou fortes reações, refere-se ao filho de um ministro do STJ, com apenas um ano de OAB, que acaba de ser indicado para o CNJ. No TJ do Amazonas, a tungada é mais séria. Dois filhos e uma sobrinha de desembargadores dividem sobrenomes no tribunal. Se os currículos, para quem os faz e para quem os avalia, forem levados a sério, a tungada fica mais difícil, quiçá impossível.

 

No Brasil, são incontáveis os exemplos práticos de currículos mal elaborados e nem sequer avaliados. Estimo que o Sr. Kássio consiga validar seus diplomas obtidos no exterior e preencher corretamente o Lattes.

 

Para não dizer que só falei de currículos ridículos, convém lembrar que currículos sérios independem de profissão. Dependem, sim, do caráter de quem os faz.

 

Vinicius de Morais, por exemplo, também foi bacharel em Direito. Que bom que ele não quis exercer a profissão de advogado. Do contrário, teríamos um dotô adevogado a mais, e um grande poetinha a menos, ou cronista, dramaturgo, escritor, compositor, cantor, boêmio, amante… até diplomata ele foi! Vinicius projetou o Brasil no exterior mais do que qualquer doutor em Direito.

 

Ainda me lembro, eu estudava em Paris. Numa dessas festas de estudantes, um francês tocava violão, por partitura. Ele cantava muito bem. Quando soube que havia um brasileiro na festa, começou a cantar, com sotaque: “Manhã, tão bonita manhã…”. Disse que comprou a partitura de “Manhã de Carnaval” depois de ter visto o filme “Orfeu Negro”, baseado na peça de Vinicius, “Orfeu da Conceição”. Naquele tempo eu ainda tinha orgulho de ser brasileiro, apesar do latinório boçal, tão ironizado por Machado de Assis quanto por Gregório de Matos. Este, desde o século XVII. Muito antigamente, os brasileiros eram divididos entre aqueles que falavam Latim e aqueles que não falavam. Como no império romano, quem não falava Latim era considerado bárbaro. Hoje, segundo uma personagem de Suassuna, os brasileiros se dividem entre os que já foram à Disney e os que nunca foram.

 

A sua bênção, meu Poeta:

 

“Mais do que a mais garrida a minha pátria tem

Uma quentura, um querer bem, um bem

Um libertas quae sera tamen

Que um dia traduzi num exame escrito:

‘Liberta que serás também’. E repito!”

(Vinicius de Morais, do poema “Pátria Minha”. Barcelona, 1949)

 

Hoje, sinto pena de uma brasileira que “leva estampado no corpo a ignorância da língua latina (totalmente perdoável) e a ignorância da língua portuguesa (não tão perdoável assim).” Tadinha. Ela se deixou tatuar com a frase “Libertas que será também.”

 

E, para não dizer que não falei de outras profissões, na próxima crônica pretendo tratar da mais antiga de todas.