O ex-ministro da Fazenda Delfim Netto vê com “esperança” o governo do presidente eleito Jair Bolsonaro e avalia que a principal missão da nova equipe econômica é libertar o Brasil “das amarras” para conseguir acelerar o crescimento.
“É preciso libertar um pouco o Brasil das amarras a que ele foi submetido por excesso de controle, de regulação”, disse em entrevista ao G1 para a série “O que esperar da economia em 2019”.
Na avaliação de Delfim – um dos prinicipais nomes da economia durante o regime militar –, o Brasil perdeu a capacidade de crescer e a próxima equipe econômica, liderada por Paulo Guedes, tem “uma boa chance de dar certo”. “Estou dizendo o seguinte: nós não podemos julgar o governo Bolsonaro antes da posse. Temos de julgar o governo quando ele terminar dia 31 de dezembro de 2022.”
O G1 publica, nestes últimos dias do ano, uma série de entrevistas com o objetivo de discutir o discutir o quadro econômico do Brasil em 2019.
Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda — Foto: Felipe Rau/Estadão Conteúdo
A seguir os principais trechos da entrevista.
Como o sr. avalia o quadro da economia?
O Bolsonaro vai receber uma economia num estado muito melhor do que o Temer recebeu. O Temer lidou com um desastre de proporções homéricas, não apenas na parte fiscal, mas na própria contabilidade pública. Na parte econômica, eu acho que o governo foi uma coisa muito bem-feita. Ele se cercou dos melhores profissionais que existem no Brasil e complementou com um grupo de pessoas na Casa Civil com um grande conhecimento de microeconomia. E, finalmente, ele completou tudo isso com um Banco Central muito bem arrumado. O Temer entrega um governo organizado.
E daqui em diante, o que esperar com a nova equipe econômica?
Na minha opinião, o Guedes (Paulo Guedes, futuro ministro da Economia) teve inteligência, humildade e objetividade porque manteve o sistema funcionando, manteve profissionais de alta qualidade na Fazenda. Vai mudar o Banco Central, mas com um presidente de um DNA excelente (Roberto Campos Neto, neto do economista liberal Roberto Campos).
E a expectativa para o desempenho da economia?
Eu vejo com muita esperança. A proposta do Guedes é uma grande experiência. É preciso libertar um pouco o Brasil das amarras a que ele foi submetido por excesso de controle, de regulação. Eu acho que ele tem uma boa chance e todos estes julgamentos antecipados contêm um equívoco ou, pelo menos, são preconceituosos. Não há nenhuma razão para imaginar que o esquema que ele montou não deve funcionar. Pelo contrário. Eu acho importante a ideia dele de realmente quebrar este negócio do mais do mesmo, que foram os últimos 20 anos.
Nos últimos 20 anos, conseguimos algumas coisas importantes: conquistamos (a estabilidade) da inflação, fizemos uma Lei de Responsabilidade Fiscal, mas que ninguém obedece, tá certo? E aí quebramos a União, os Estados e os municípios.
Como resolver o problema fiscal?
A situação fiscal só será corrigida se a reforma da Previdência Social for enfrentada. Na minha opinião, eles (integrantes do novo governo) deveriam ter aproveitado a oferta do Temer para aprovar a reforma que já estava muito adiantada no Congresso. De qualquer forma, eu acho o seguinte: é preciso dar um voto de confiança para a administração do Bolsonaro e do Paulo Guedes. É uma experiência. Eles estão ameaçando o Brasil de dar certo.
Por que o sr. está tão otimista com o novo governo?
Porque o esquema montado pelo Paulo Guedes tem uma unidade de pensamento e ele tem todos os instrumentos. O Paulo obviamente é um economista competente. De forma, que eu tenho uma grande esperança que vai dar certo ou que pode dar certo. Agora, é claro que há muitas dificuldades, principalmente nas relações com o Congresso, mas acredito que ele vai ter algum sucesso na Previdência. O governo não pode fazer qualquer reforma, não pode fazer algo açucarado. Isso não resolve. Ele vai ter que a enfrentar uma coisa pelo menos da que sobrou da discussão da do Temer.
Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda — Foto: Clayton de Souza/Estadão Conteúdo
É a proposta do Temer de Previdência para mais?
Eu acho que não precisa ser mais. Aquela não é suficiente, mas é satisfatória. Mas o que eu acho é o seguinte: a sociedade criou uma expectativa favorável ao governo Bolsonaro. Ele foi aprovado com 55% dos votos e está com uma aprovação de 70% da sociedade. Ou seja, o Bolsonaro recebeu o poder para legitimamente quebrar este negócio de mais do mesmo que há 20 anos controla o Brasil.
E como deve se dar a negociação com o Congresso?
Tudo isso vamos ver quando o governo começar a operar. Mas primeiro, depende muito da posição do presidente, não a do seu partido, das pessoas chegadas a ele, de não se meter na eleição do Congresso. O fato de o executivo intervir na eleição do Congresso termina sempre muito mal. Há um bom candidato, que é o Rodrigo (Rodrigo Maia, atual presidente da Câmara dos Deputados). Acho que ele está montando uma situação razoável para ganhar a eleição. A vantagem do Rodrigo é que ele pensa praticamente da mesma forma que o governo está propondo. É um liberal.
E há condições de o Congresso cooperar?
Há todas as condições para o Congresso cooperar. E mais: como a situação fiscal dos Estados e de 40% dos municípios é devastadora, eu penso que vai haver um suporte dos Estados. Ou seja, os governadores devem pressionar as bancadas governistas no Congresso a votarem a Previdência.
E se agenda não der certo?
Se essa agenda não der certo, vai continuar mais do mesmo. E nós já sabemos que não funciona. Nós precisamos entender isso: o Brasil precisa se liberar dessas amarras, o país perdeu a capacidade crescer. Não vai ter solução nenhuma para o Brasil sem voltar a crescer.
E quais as outras medidas para o país volta a crescer?
Depende de duas coisas, do investimento e das exportações. O investimento hoje só pode ser feito pelo setor privado porque o setor público não tem a menor condição. Hoje, o estado é um estado antropofágico. Ele existe para si mesmo. Quando o Brasil crescia, a carga tributária bruta era de 25% do PIB, e o estado investia 5%. Hoje, você tem uma carga tributária bruta de 34% e um déficit nominal de 6%. O estado se apropria de 40% da renda nacional e investe 1%. Eu insisto: o Brasil está em pleno subdesenvolvimento. Nos últimos 70 anos, nos primeiros 35 anos, o Brasil cresceu mais do que o mundo. Nos últimos 35 anos, cresceu menos do que o mundo.
O Brasil perdeu a sua capacidade de investir e, como o estado não tem recurso, ele tem que aproveitar todos estes programas que o Temer está deixando. O Temer está deixando um imenso programa de projetos que podem ser feitos como uma contribuição do setor público.
Alguns pontos da agenda esperada para o novo governo são bastante impopulares, como rever Previdências e alterar a regra do salário mínimo. É possível tocar a agenda e garantir apoio popular?
Ele (Bolsonaro) vai ter de gastar o apoio popular. As coisas são muito interessantes. Se você olha a aprovação do Temer pelos levantamentos gerais, ele tem cerca de 8% de aprovação e 75% de má aprovação. A XP Investimentos acaba de fazer um levantamento com 130 empresários brasileiros e alguns estrangeiros. Dá exatamente o oposto: dá 78% de aprovação. Ou seja, a sociedade é curto prazista.
Delfim Netto na época em que era ministro da Fazenda — Foto: Arquivo/Estadão Conteúdo
O que isso que isso indica?
É por isso que tem de usar o capital que acumulou na eleição. O eleitor tem de entender o seguinte: ele deu para o Bolsonaro o poder legítimo para mudar as coisas e é preciso esclarecer que a reforma da Previdência não vai atingir ninguém que ganhe dois salários. Estes já estão se aposentando com 65 anos. A reforma da Previdência vai atingir algumas desigualdades internas muito sérias.
É preciso mostrar para a sociedade isso e mostrar como, na verdade, as classes mais privilegiadas desenvolveram a teoria de que estão defendendo as classes menos favorecidas na reforma da Previdência. Mas não. Elas estão defendendo os seus interesses. Aliás, é preciso reconhecer que o governo Temer fracassou em transmitir para a sociedade as injustiças que estão embutidas nas previdências públicas. Foi isso que tirou o apoio da massa.
O sr. comento sobre a importância das exportações para o crescimento, mas como deve se comportar o cenário externo?
Eu tenho a impressão que as expectativas externas estão se deteriorando, tenho a impressão de que o mundo vai reduzir o crescimento. É o que se antecipa. Isso mostra que não vai haver um grande empurro das exportações. Ou seja, aumenta a responsabilidade do investimento interno, a responsabilidade de organizar mais rapidamente o estado para ele poupar e a responsabilidade de construir as garantias jurídicas adequadas, leilões inteligentes para atrair o setor privado para os investimentos.
O sr. está otimista para os próximos 4 anos?
Do ponto de vista da nação, quatro anos não são nada, 2022 é amanhã. Estou dizendo o seguinte: nós não podemos julgar o governo Bolsonaro antes da posse. Temos de julgar o governo quando ele terminar dia 31 de dezembro de 2022.
O que o sr. achou do nível do debate na campanha?
Não houve debate, em nenhuma campanha há debates. As campanhas são enganações. E quanto mais enganação, mais separação. Neste caso em que realmente a discussão se deu nas mídias sociais, a tendências é simplesmente formar dois blocos. Todo mundo que pensa de um jeito vai para um lado, todo mundo que pensa de outro jeito vai para outro. Não tem nenhuma interlocução entre eles,
O sistema político que esta aí preparou uma lei eleitoral em seu benefício, concentrou na sua mão todos poderes, produziu todas as vantagens possíveis e o resultado foi o oposto: ou seja, o cidadão pela primeira vez descobriu que o voto dele vale. Ele descobriu como? Ele descobriu nas mídias sociais que ele e os seus companheiros podem mudar. E este poder não obedece a nenhum controle estatal. Ou seja, realmente talvez tenha sido a primeira eleição democrática, com todos os seus problemas pela falta de discussão dos programas. No fundo, no fundo, foi uma escolha ele ou não ele e o vetor principal foi o antipetismo.
Luiz Guilherme Gerbelli / G1