ENSINO A DISTÂNCIA NA PANDEMIA
Vitor de Athayde Couto
– Não quero! – gritou Kauã.
– Mais tu tem que! – disse a mãe, com firmeza. – Tua pró num mandou? Se tu tivesse pai, tu ia ver! Para com esse game, Cauan! O sacrifício que tua mãe fez. Comprei tablet, celular, tudo pra tu num perder aula. Bora! Abre logo o aplicativo da escola! Anda!
Com lágrimas nos olhos, Kaouan reduziu a página do tablet, fez de conta que fechou o game, e começou a abrir o Google Classroom. Para sua felicidade, o aplicativo bugou – a internet não era top. Entre soluços, gritou:
– Mãe!
– Que foi agora? Fala logo, tô fazendo meu romiuôrqui, lavo roupa, enquanto tu devia fazer o teu romiscúlingue.
– É que o aplicativo bugou.
– O quê?
– Bugou, mãe.
– Ai, minha Santa-Eduvige-dos-Plano-de-Saúde! Eu não sei mais o que fazer.
– Mãe, ligaê pra tia Mara, ou então manda um zap.
Passou álcool gel nas mãos, tirou o celular do bolso do avental e ligou.
– Oi, pró Mara! O Cauã disse que o aplicativo coisou… pera, como é mesmo, Cauann?
– Bugou, mãe. Bu-gou! Ouviu?
– Sim – disse a pró. Eu já ouvi daqui. É isso mesmo, travou. Vamos tentar de novo, estamos tendo problemas, e eu ainda não aprendi como usar isso direito. Mas a diretoria disse que está desenvolvendo um aplicativo próprio da escola. Disseram que o governo vai dar um minicurso bem ligeirim, pros professores. Em breve tudo será resolvido.
– Ótimo – disse a mãe (sem parar de pensar: “ah, se fosse verdade…”) – Muito obrigado, pró Mara, vai dar certo. Tem que!
– Só um minuto, mãe. Aproveita e diz pro Cauã não ficar desligando a câmera durante as aulas, eu preciso saber se ele está assistindo ou jogando. Não consigo ver ele.
– Tá, pró Mara, vou dizer – “esse menino tá viciado em game”, pensou.
Mal filou a aula virtual, Kauan já pulava do Free Fire pro Minecraft.
– Eu te mato! Já disse, eu te mato! Para com isso, Kauann!
Como castigo, Khauan, que já estava engordando, ia passar dois dias sem chocolate, yakult, nutela e, principalmente, sem o sagrado cardápio do fim de semana: miojo, pitchula e bala de maçã verde. Ia comer só fruta e verdura. Mas ele foi logo jurando, depois que a pró desligasse o aplicativo, ia estudar muito… mas, sem fruta! Afinal, ele e os colegas sabem que EAD não é “Ensino A Distância”, é “Eu Aprendo Depois”.
– Ei, mãe! Preenche aqui esse paper virtual e envia pra tia Mara, mãe.
– Kaká, como é mesmo que se escreve esse teu nome, coisinha? É com C ou com K?
– Sei lá, mãe. Se a senhora não sabe, como é que eu vou saber?
– Pois eu vou já ler no formulário do programa arrendabrasil que a assistente social do ministério da educação preencheu ontem. Taqui: Cauan de Orleães Braganssa da Çilva. Teu nome se escreve com C. Vê se num esquece mais. Rum!