Para reanimar a economia e cumprir a promessa do choque da energia barata, o governo deve lançar nos próximos dias um programa para reduzir o preço do gás. Batizado de Novo Mercado de Gás, o plano tem como principal pilar o enfrentamento de monopólios que dominam há anos o setor – principalmente as distribuidoras, que atuam em Estados, e a Petrobrás. A ideia é criar um ambiente de mercado, com mais concorrentes, e aproveitar o aumento da oferta do gás, oriundo das áreas do pré-sal, para tentar reindustrializar o País.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, quer alcançar uma queda de 50% no preço do gás. Hoje, a indústria paga US$ 11 por milhão de BTU, mais que o dobro do valor pago nos EUA, de US$ 4. Segundo a Associação Brasileira de Grandes Consumidores de Energia (Abrace). Também de acordo com a entidade, preços competitivos podem adicionar 1% de crescimento anual ao PIB e gerar 12 milhões de empregos em dez anos.

Diferente do governo Temer, que tentou promover a abertura do mercado de gás por meio de uma lei no Congresso Nacional, a gestão Bolsonaro aposta em medidas infralegais, que não precisam ser aprovadas por parlamentares. Para isso, conta com o apoio do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), colegiado de ministros presidido pelo Ministério de Minas e Energia (MME), com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e com a Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP).

Dessa vez, o governo tem a Petrobrás como aliada, já que a companhia tem como objetivo concentrar seus investimentos em produção e exploração em águas profundas e reduzir suas participações em dutos, distribuidoras e refinarias. Embora não seja a única produtora de gás, a companhia é dona da maioria dos gasodutos de transporte do País. E apesar de ter vendido sua malha de gasodutos no Sudeste – NTS e TAG – a companhia manteve o carregamento e o direito de ocupá-los, o que, na prática, a mantém como única usuária das estruturas. Sem acesso aos dutos, as outras petroleiras preferem vender o insumo para a Petrobrás. Quem quiser importar também precisa negociar com a Petrobrás, pois a companhia é dona das unidades que processam o gás trazido por navios.

Revisão
Essa condição será revista pelo Cade, que vai anunciar um acordo com a Petrobrás na quarta-feira. A companhia deve assinar um termo de compromisso em que aceita vender transportadoras e distribuidoras e abrir mão da exclusividade no uso da capacidade dos dutos. A Petrobrás também deverá dar acesso a dutos de escoamento, unidades de processamento e terminais de GNL. Está em negociação, também exigência de desinvestimentos na área de produção. Será o segundo acordo com a companhia com o Cade, que anunciou, em 12 de junho, a venda de 8 refinarias, de um total de 13. A vantagem do acordo é que os processos que apuram práticas anticompetitivas da Petrobras serão encerrados.

As diretrizes desse acordo serão dadas pelo CNPE, que deve anunciá-las na segunda-feira. Também haverá recomendações à ANP e aos próprios ministérios. Caberá à ANP regular as medidas e promover chamada pública para que outras companhias possam usar os gasodutos, definir o acesso aos dutos, unidades de processamento e terminais da companhia por outras empresas e elaborar as práticas a serem adotadas pelos Estados, como criação de agências reguladoras e adoção de medidas para criar a figura do autoprodutor e do consumidor livre – grandes empresas que, como no setor elétrico, podem negociar diretamente com produtores e comercializadores, sem intermediação das distribuidoras.

Como muitos Estados também são sócios dessas empresas, será papel do Ministério da Economia incentivá-los a abrir mão dessas participações. Em troca, eles poderão obter financiamentos com garantia da União. Essa é uma das principais demandas, devido à crise fiscal, e faz parte do Plano Mansueto.

Na frente. Sergipe, por exemplo, saiu na frente e trabalha para ser ter o gás mais barato do País, após a descoberta de reservas de pré-sal na costa equivalentes a 70% da produção nacional. O governo agora trabalha para regulamentar normas que atraiam novamente a indústria para gerar investimentos e empregos no Estado. Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Espírito Santo também começaram a se movimentar.

Para o presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores (Abrace), Paulo Pedrosa, é fundamental que o governo crie um ambiente para permitir que a produção de gás seja aproveitada no mercado interno. Caso contrário, os produtores podem preferir liquefazer o gás natural e exportar o insumo para outros países. “Essa é a oportunidade de retomada da economia. O gás do pré-sal pode ser para o Brasil o que o shale gás foi para os Estados Unidos”, disse. A descoberta do shale gás levou à queda do custo do produto e é apontada como a principal razão da retomada da produção industrial nos EUA.

Já o presidente executivo da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegas), Augusto Salomon, expressou preocupação com o plano a ser anunciado pelo governo. Para ele, as medidas podem gerar insegurança e judicialização ao setor.

“Entretanto, acreditamos que os governadores perceberão que a destruição dos serviços locais de gás canalizado, um ativo do Estado, e o desincentivo à expansão da infraestrutura de rede, não são um caminho positivo. Não atrai investimentos, não gera empregos, renda e arrecadação. As térmicas são importantes, mas a indústria é mais”, disse, por meio de nota.

A Petrobrás foi procurada, mas não se pronunciou.

Fonte: Estadão