A mudança impressiona. Aquela mulher grande, exageradamente musculosa, para muitos masculina, já não existe. Aos 28 anos, bem mais magra, agora usa os cabelos compridos, com franjinha, o que lhe confere uma feminilidade pouco conhecida pelo público. Mas o novo visual de Rebeca Gusmão, elogiado por onde ela passa, não tem nada a ver com vaidade. Os 22 quilos perdidos em menos de um ano foram consequência de uma grave depressão. Que começou a surgir em 2010, um ano após a ex-nadadora ser banida do esporte por doping, mas que ela só começou a tratar com medicamentos há cinco meses. E foram justamente os remédios que a levaram novamente a ser notícia, no fim de agosto. Internada num hospital de Brasília, onde mora, com uma intoxicação, ficou três dias em coma e levantou a suspeita de que teria tentado o suicídio.
— Não teve isso. Veio à minha cabeça algumas vezes, mas nunca tentei me matar — assegura Rebeca, numa entrevista por telefone, explicando o que aconteceu: — Foi uma irresponsabilidade minha. Não estava conseguindo dormir e, por conta própria, dobrei a dose da medicação, que já era forte. Por eu estar com o organismo fragilizado, o efeito foi muito forte.
A condenação por doping em 2007, quando vivia o auge nas piscinas, é a raiz da depressão que a ex-nadadora tenta vencer definitivamente. Na época, ela teve cassadas as quatro medalhas (duas de ouro) que ganhara no Pan do Rio e, dois anos depois, viu-se nas manchetes do país inteiro, expulsa do esporte que praticava desde os 12 anos. Hoje, um mês e meio depois de ter recebido alta do hospital, Rebeca festeja as primeiras batalhas vencidas nessa guerra aos fantasmas que a assombram.
Já está de volta ao trabalho na Secretaria de Esportes do Distrito Federal, onde há um ano dirige programas de incentivo a atletas. Voltou a nadar e a malhar — pegando bem mais leve do que quando se dedicou às competições de levantamento de supino, há três anos. E segue frequentando os cultos da Igreja Universal do Reino de Deus, uma das muitas vertentes religiosas que procurou em busca da recuperação.
— Ela está num trabalho de reconstrução espiritual — diz o pastor Flávio, da unidade Areal, com quem a ex-nadadora costuma conversar: — Claro que deve continuar o tratamento psicológico, mas a ajuda de Deus é fundamental.
Rebeca tenta seguir em frente, mas admite: ainda mantém um olho no retrovisor. Não desistiu de provar que foi vítima de uma armação, que lhe custou não só a carreira, mas a saúde.
— A questão é se vale a pena — pondera seu Ajalmar, pai da ex-nadadora: — Estudei diversos casos de atletas vítimas da mesma injustiça. É uma defesa muito cara, feita na Suíça. Mas Rebeca quer lutar, não se acomodou.
Com receio de uma recaída, por se ver de novo nas páginas de um jornal, Rebeca Gusmão hesitou em falar. Mas acabou cedendo. Em quase uma hora de conversa, por telefone da sala onde trabalha na Secretaria de Esportes, em Brasília, contou como entrou em depressão, negou a tentativa de suicídio e a separação do marido, o cantor lírico Gutemberg Amaral, e revelou que foi batizada na Igreja Universal.
Como você está agora?
Muito bem, feliz. Voltei a sorrir, a trabalhar, a nadar, a malhar. A academia, na verdade, faz parte do tratamento. Então, voltei já na primeira semana depois que saí do hospital. Comecei um trabalho mais específico, individualizado, com personal. A atividade física ajuda a produzir serotonina (neurotransmissor ligado à sensação de prazer e à regulação do humor). Com o passar do tempo, o médico vai tirar a medicação, e não vou poder parar de me exercitar.
Como foi voltar à piscina?
Foi um encontro emocionante. Eu não nadava tinha um ano e meio, quase dois anos.
Então parou antes da internação. Por quê?
Comecei a trabalhar muito, nunca achava tempo. Chegava em casa cansada à noite, e não sentia falta. Quando passava pela piscina, meu coração disparava e eu falava: “Amanhã eu volto”. Mas nunca voltava. E por um tempo doía nadar, então me afastei também em função disso. Fui arrumando desculpas para não voltar, estava me boicotando. Até que uma amiga foi lá em casa e disse: “Bora nadar comigo hoje”. Comecei e estou até agora. Nado três vezes por semana, está me fazendo superbem. Quero continuar nadando.
O que é a piscina para você hoje?
A piscina sempre foi um refúgio para mim, um lugar de conforto, onde eu me sentia bem, onde as pessoas não podiam me “ler”. Ver minhas emoções, se eu estava triste ou alegre, sorrindo ou chorando. E agora é parte do meu tratamento. Minha psicóloga tem me ajudado a superar esses fantasmas, esses traumas que tenho, por meio dos próprios traumas.
Há quanto tempo tem acompanhamento psicológico?
Dois anos. Comecei a ficar mais para baixo antes disso, no início de 2010. Mas achei que fosse uma tristeza passageira. Em 2011, comecei a trabalhar na Administração Regional de Brasília, como gerente de Esportes. Fiquei bem, mas no fim do ano passei a ir ao psicólogo. Sempre achei que deveria ter ido quando tudo aconteceu (episódio do doping), mas demorei. Sempre falava para a minha família: “Quando eu achar que preciso, vou”. E há dois anos eu falei: “Agora eu preciso”.
Por que tanto tempo depois?
Tive que me manter forte durante esse período, em função da minha família, que ficou muito mal. Minha mãe entrou em depressão, perdeu 16 quilos, e tinha meu pai, minhas irmãs, meu esposo… Atingiu todo mundo. Eu tinha que mostrar que estava bem. Então, passei por cima. Você na verdade precisa de ajuda, de colo, mas é humilhada o tempo inteiro. Eu estava sendo exposta o tempo todo na mídia. Tinha que acordar cedo para pegar o jornal na porta da casa dos meus pais, para eles não verem se falava alguma coisa de mim. Sempre fui um pilar dentro de casa. Mas tem uma hora que você desaba. A ficha caiu tarde, demorou a cair. Na verdade, foi um grito de socorro: “pelo amor de Deus alguém me ajuda”.
E o psicólogo ajudou?
Comecei o tratamento, mas não estava adiantando. Ficava vários dias mal e um bem. Até que perdi o controle, entrei numa crise mesmo. Não tinha vontade de comer, não conseguia dormir, fui piorando. Procurei um psiquiatra, passei a tomar a medicação — antidepressivo, calmante e remédio para dormir — e fui melhorando.
E o que te levou a ser internada em agosto? Foi uma tentativa de suicídio, como se especula?
Não teve isso. Quando você passa por um momento difícil, isso vem à cabeça. Veio à minha cabeça algumas vezes, quando eu lia alguma coisa… As pessoas me julgaram muito, me humilharam muito. Vocês conhecem meu nome, não minha história. Detesto ser julgada. O que a mídia colocou não era verdade. E não conseguir se defender, porque sempre se distorcia o que você falava… É muito difícil. Por isso, a ideia de suicídio passou algumas vezes, sim, na minha cabeça. Você vê sua família, seus pais sofrendo e fala: “Caramba, melhor eu ir embora daqui”. Mas não aconteceu isso agora.
Chegou a tentar alguma vez?
Não, nunca tentei me matar. Só pensava.
Então, o que houve?
Foi falta de responsabilidade minha. O remédio para dormir não estava mais fazendo efeito. Teve um dia que eu não estava conseguindo dormir, já agoniada, o sono não vinha. Por conta própria, dobrei a dose da medicação, que já era forte. Por eu ter perdido 22 quilos e estar com o organismo fragilizado, o efeito foi mais forte. Meus pais me levaram para o hospital. Cheguei desacordada, praticamente em coma. Fiquei três dias em coma. Saí do hospital no sábado, e não lembro o que fiz no domingo e na segunda-feira. Sei que tomei um esporro quando acordei. E o médico cortou essa medicação.
Então não emagreceu por vontade própria?
Não. Foi em função da depressão. Eu não comia. Meus pais e meu esposo perguntavam e eu falava que tinha comido. Hoje peso 70 quilos, mas cheguei a 66, já recuperei quatro. No auge da natação, pesava no máximo 82, mas cheguei a 104 quilos depois, na época do levantamento de supino. Estou me sentindo bem assim, estou muito feliz com o corpo que tenho hoje. Ganhando mais uns dois quilos vai ficar perfeito. Todo mundo fala: “Nossa, você está muito melhor”. Eu também acho, mas respondo: “Quando eu competia, não podia ter esse corpo”.
É verdade que uma crise no casamento teria aprofundado a depressão?
Meu esposo sempre esteve ao meu lado. Num casamento existem desentendimentos. A gente passou por crises, sim, como todo casal, mas em momento algum a depressão foi em função disso. Até hoje sou casada, estou casada. É chato falar disso, porque é uma coisa privada. E ele não gosta. Não boto mais foto com ele no Facebook, nossa vida privada diz respeito a nós.
Mas você voltou a morar com seus pais, não é?
Estou passando um tempo na casa deles por conta da vigília de medicamento. Como meu esposo trabalha o dia todo, ele não tem como controlar. Minha mãe é aposentada, controla mais isso. E na casa dos meus pais estou mais perto da minha família, das minhas irmãs, do meu sobrinho, dos meus outros sobrinhos por parte dele.
Quando deve voltar para casa?
Provavelmente no dia 20 de novembro, que é quando passo por uma reavaliação.
Qual o papel da religião nessa história toda?
Sempre tive muita fé em Deus, Ele teve papel fundamental na minha vida. E a igreja teve um papel no sentido de aumentar minha fé. Tenho certeza de que foi graças a Ele que não me aconteceu algo pior, que não cheguei ao ponto de tentar me matar. Eu poderia não ter voltado do coma também. Tenho certeza que isso foi a mão Dele. Meus colegas do trabalho são pessoas de fé, isso me ajudou. Fiquei muito feliz com as mensagens que recebi de força, de oração. Tenho certeza de que foram essas pessoas que convenceram o cara lá de cima a me deixar aqui.
Que igreja frequenta?
Passei a frequentar várias religiões. Sou muito aberta, acho que no fim você chega ao mesmo lugar, que é Deus. Fui à Igreja Universal, à Igreja Católica, ao centro espírita, conheci o budismo. O conjunto disso me ajudou. Fui batizada na Universal quando saí do hospital. Para eles, o batismo é quando nasce uma nova criatura. E eu quis me permitir ser uma nova criatura. Hoje estou mais tranquila, mais sozinha, digamos assim. Aprendi o caminho das pedras. Às vezes vou à Universal, gosto muito de conversar com os pastores. Sou muito grata por tudo que fizeram por mim, de todas as religiões.
Quem é essa nova criatura, essa nova Rebeca?
Uma pessoa mais forte, que deixou para trás o que aconteceu. Aprendi que quando se toca no passado só se envenena o presente. Acho que foi isso: por lembrar muito do passado eu envenenava meu presente. Hoje vivo como se amanhã não fosse existir. Aproveito o máximo os meus pais, porque sei que amanhã posso não tê-los mais. Aproveito o máximo meu sobrinho, quero vê-lo crescer. Quero estar bem comigo, feliz, fazer o que eu gosto: malhar, nadar, viajar, viver a vida.
Fonte: Extra