Quem eram e como viviam os irmãos Tsarnaev, os suspeitos de terem detonado os explosivos que mataram três e feriram quase 200 pessoas na maratona da cidade? Os repórteres do Fantástico – nos Estados Unidos e no Daguestão – região separatista, ao sul da Rússia, onde os pais dos rapazes moram – conversaram com quem conheceu Tarmelan e Dzhokhar Tsarnaev.
“Eu acho que não tem ninguém que possa falar: ‘eu esperava isso dele’ ou ‘eu sabia que ia acontecer’”, disse Gilberto Junior.
O mecânico brasileiro Gilberto Junior conhece Dzhokhar Tsarnaev. Sempre o viu como um adolescente normal.
“Que gosta de carro, gosta de futebol, gosta de mulher “, disse.
Um adolescente que sonhava em visitar o Brasil.
“Ele sempre falava que ‘um dia eu vou para o Brasil, eu vou jogar soccer e conseguir uma namorada. Eu quero conhecer o Ronaldinho'”, conta.
Mas na última terça-feira, um Dzhokhar diferente esteve na oficina de Junior para pegar as chaves do carro que deixou para consertar duas semanas antes. O garoto de 19 anos foi direto: “Eu preciso da chave agora, eu tenho que ir agora, eu tenho que ir agora. Eu dei a chave pra ele e em cinco minutos ele saiu”.
Fantástico: Ele estava angustiado?
Gilberto: Ele estava bastante nervoso. Eu nunca tinha visto ele do jeito que estava. Estava mordendo as unhas e balançando as pernas e olhando pros lados.
O atentado havia acontecido menos de 24 horas antes.
Se Dzhokhar era sociável, o irmão mais velho, Tamerlan Tsarnaev, era o oposto. Nunca foi de muita conversa e queria ser boxeador profissional. Trancou a faculdade de engenharia para se dedicar aos treinos nesta academia onde o brasileiro Carlos Neto dá aulas de jiu-jitsu
“Quando ele começava a batar no saco, ele entrava em transe”, disse.
O ritual de Tamerlan na academia era quase sempre o mesmo. Ele chegava, colocava as luvas de boxe, batia neste saco por meia hora, trocava de roupa e ia embora.
Num ensaio fotográfico para o jornal da universidade de Boston, Tamerlan disse que não tinha um único amigo americano. Não conseguia entendê-los.
“Todo mundo sabia que ele era assim”, disse.
Os irmãos Tsarnaev, de origem chechena, chegaram em 2002 aos Estados Unidos, ainda pequenos. Vieram como refugiados junto com os pais e as duas irmãs.
Cresceram em Cambridge, cidade vizinha a Boston. Concluíram o ensino médio na Cambridge Rindge Latin School, a mesma escola pública onde estudaram os atores Ben Affleck e Matt Damon.
Viviam no terceiro andar da casa, no número 410 da Rua Norfolk. Um lugar agradável e amistoso, onde há uma grande comunidade de brasileiros e portugueses.
No local há uma escada que dá acesso ao segundo e terceiro andares da casa. Na escada dá pra ver pedaços de madeira e de vidros, resultado do arrombamento. A Polícia Federal americana, o FBI, entrou com tudo. Arrombou a porta, o trinco que está no chão.
O FBI lacrou a porta com cadeado, depois de recolher material para análise. A casa abrigou toda a família por muitos anos. Depois que as irmãs se casaram e os pais voltaram para a terra natal deles, o apartamento passou a ser frequentado apenas por Tamerlan e Dzhokhar.
Dzhokhar fez de tudo para manter a rotina e não levantar suspeitas. Ele estudava numa universidade, que fica a uma hora de carro de Boston. Nos dias seguintes ao atentado, compareceu normalmente às aulas e foi à academia. Esteve em uma festa na quarta-feira à noite com colegas da faculdade e dormiu nos alojamentos até quinta-feira, quando o FBI divulgou o retrato dele e do irmão.
Quem conhecia Dzhokhar recebeu a notícia com espanto.
“Todos ficaram chocados, mas estou contente de saber que ele está vivo, para que responda às perguntas”, disse Luiz Vasques.
Luiz Vasques foi treinador de futebol de Dzhokhar e colega de classe de Tamerlan. Nunca ouviu nenhum discurso político ou religioso dos dois. Mas ele não tinha contato com os irmãos havia três anos.
A situação parece ter mudado. Recentemente, Tamerlan publicou na internet vídeos de extreimstas religiosos. E poderia estar influenciando o irmão mais novo. Em uma rede social russa, Dzhokhar escreveu que sua visão de mundo é o islã.
Em 2 de setembro do ano passado, postou em outra rede social: “eu não entendo por que é tão difícil para muitos de vocês aceitarem que o 11 de setembro foi uma conspiração do governo americano. É tipo ‘danem-se os fatos porque somos patriotas’. Caiam na real”.
Isso foi nove dias antes de Dzhokhar virar cidadão americano. Tamerlan ainda não havia conseguido a cidadania.
Os motivos seriam dois: uma acusação de agressão física a uma ex-namorada e investigações do FBI, a pedido do governo russo, sobre suas constantes viagens ao Daguestão – uma região separatista da Rússia, onde há grupos islâmicos radicais e onde os pais dos irmãos Tsarnaev moram.
O repórter Rodrigo Alvarez foi até o país.
A história dos dois irmãos suspeitos de explosões nos Estados Unidos quase não alterou a habitual frieza de Makhachkala, a capital do Daguestão. Afinal, o lugar faz parte de um punhado de ex-repúblicas soviéticas que ainda lutam pela independência em relação a Moscou.
Por lá, atentados fazem parte da rotina.
“Se vocês têm uma explosão…aqui acontecem dez por dia!”, irozinha um jovem russo.
Pra saber exatamente de onde vieram os irmãos Tsarnaev, basta olhar pra uma pontinha do mapa, no sul da Rússia: é na região montanhosa do Cáucaso que ficam a Chechênia, de onde a família veio; e o Daguestão, onde eles viveram antes de imigrarem para os Estados Unidos.
Na capital, Makhachkala, meninos que brincam sobre o entulho, pouco a pouco, vão deixando de lado a diversão pra enfrentar a realidade de um lugar onde tudo o que se faz é controlado pelos olhos e armas de agentes nada discretos do serviço secreto russo.
Quem anda atento pelas ruas descobre que, num dos lugares mais perigosos do mundo, não é só o governo que está de olho: “Allah vê tudo!”, diz um grafite, em russo.
O Fantástico esteve numa região de maioria islâmica. Mas quando os irmãos Tsarnaev viveram lá, eles eram muito jovens para pensar em religião.
Como conta o diretor da escola onde eles estudaram: “a família chegou aqui em 2001, fugindo da guerra civil. O mais novo entrou no quinto ano, o mais velho, no oitavo. Em março de 2002, imigraram pros Estados Unidos”.
A faxineira apareceu na janela pra dizer que não consegue acreditar que os filhos dos vizinhos possam ter cometido algo tão absurdo.
Os pais de Tamerlam e Dzhokhar Tsarnaev vivem um edifício, num bairro relativamente pobre de Mahatchkalá. Até então, eles levavam uma vida tranquila. Mas desde que chegou aqui a notícia dos atentados em Boston, desde que se soube do envolvimento dos filhos deles, o casal perdeu o sossego e ontem resolveu deixar o apartamento. A única coisa que dá pra ver dentro do local são flores colocadas na janela. Duas flores.
Numa entrevista a um site da Rússia, Anzor Tsarnaev disse que a morte do filho mais velho, durante uma perseguição policial, foi um ato de covardia.
O pai vive dias de angustia, preocupado com o futuro do filho mais novo.
“Dzhokhar tem que ser preso, vivo. Vivo”, ele repetiu, ainda sem saber da prisão do filho na sexta-feira. E concluiu: “A Justiça é que deve investigar tudo, dizer quem é inocente e quem é culpado”.
Por telefone, a mãe dos rapazes, Zubeidat Tsarnaev, disse a imprensa que na casa deles nunca se falou em terrorismo. Mas comentou que nos últimos anos o filho mais velho, Tamerlan, começou a se envolver mais e mais com religião e política.
Extremismo?
Pouco a pouco o quebra-cabeças da investigação vai se montando, mas até agora ninguém conseguiu responder a pergunta que provavelmente é a mais importante de todas elas: ‘por que, com que objetivo, esses dois rapazes resolveram matar inocentes nos Estados Unidos?’ A resposta pode estar numa viagem que Tamerlan Tsarnaev fez a região do Cáucaso, no sul da Rússia, meses antes do atentado.
No ano passado, Tamerlan teria passado seis meses no Cáucaso. O pai disse que ele veio apenas renovar o passaporte. Mas levou seis meses pra isso?
O FBI quer saber se durante a visita Tamerlan se envolveu com alguma organização terrorista.
Não há provas até agora.
O governo russo condenou os ataques em Boston e prometeu ajudar a polícia americana.
As respostas que os investigadores procuram podem estar no Cáucaso ou no hospital de Boston onde está Dzhokhar.
Fonte: G1