O dinheiro que faltava ao orçamento de 2019 para o pagamento de bolsas de pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) foi liberado pelo Ministério da Economia nesta quarta-feira (30), depois de oito meses de deliberação oficial de verba extra solicitada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTIC), e após quase 15 meses de alertas emitidos pelo próprio CNPq.

Segundo a assessoria de imprensa do órgão informou ao G1, todos os atuais 77.463 bolsistas receberão o valor correspondente à bolsa de outubro dentro do calendário normal, até o quinto dia útil de novembro.

Os primeiros alertas do CNPq sobre o buraco orçamentário e o perigo de calote no pagamento a pesquisadores e pós-graduandos começaram a ser divulgados no início de agosto de 2018, quando os debates sobre as diretrizes orçamentárias já apontavam para uma redução na verba do conselho.

Em abril deste ano, João Luiz Filgueiras de Azevedo, presidente do CNPq, estimou, em entrevista ao G1, que fossem necessários R$ 300 milhões para fechar as contas do ano. No fim, o governo federal garantiu R$ 250 milhões pagos em duas parcelas:

  • 23 de outubro: o Congresso Nacional concluiu a tramitação e aprovação do PLN 41/2019, que garantiu R$ 93.042.477 para bolsas do CNPq
  • 30 de outubro: edição do “Diário Oficial da União” trouxe a portaria do Ministério da Economia que autorizava a ampliação do orçamento do MCTIC em mais R$ 156.957.523

Os valores já haviam sido anunciados pelo ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, em 17 de outubro, mas a liberação só foi finalizada oficialmente nesta quarta.

Agora, servidores do CNPq e entidades de pesquisa já se mobilizam para reverter detalhes do projeto de lei orçamentária de 2020, que já tramita no Congresso – dessa vez, o valor para 80 mil bolsas está garantido, mas ao preço de cortes em outras áreas, como uma redução de 87% em três atividades de fomento à pesquisa, cooperação internacional e apoio a projetos (leia mais abaixo).

A busca do CNPq por reforço orçamentário

O órgão do MCTIC que financia a pesquisa de dezenas de milhares de brasileiros em nível de pós-graduação levou quase 15 meses para conseguir a liberação do reforço orçamentário. Veja abaixo:

  • 9 de agosto de 2018: O então presidente do CNPq, Mario Neto Borges, assina uma carta alertando para a redução orçamentária proposta pelo governo Temer, e disse que, “se, em 2018, o CNPq pôde contar com recursos da ordem de R$ 1,2 bilhão, em 2019 a previsão de R$ 800 milhões poderá limitar ações diversas como o lançamento de editais de pesquisa, contratações de novos projetos e outras iniciativas”.
  • janeiro de 2019: O CNPq usou cerca de R$ 80 milhões de seu orçamento previsto para 2019 para poder pagar aos bolsistas o valor referente ao mês de dezembro – .
  • 31 de março: O novo ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, encaminhou ao Ministério da Economia – a pasta responsável pela autorização de verba extra no orçamento – um ofício solicitando crédito suplementar de R$ 310 milhões.
  • 3 de abril: Em entrevista ao G1, o novo presidente do CNPq, João Luiz Filgueiras de Azevedo, afirmu que o orçamento de 2019 só garantia recursos para pagar as bolsas até outubro.
  • 29 de maio: Em viagem oficial ao Ceará, Marcos Pontes afirmou que decidiu poupar a área de pesquisas do CNPq do contingenciamento orçamentário – uma espécie de bloqueio do orçamento aprovado para o ano, que pode ser liberado até dezembro. No caso do CNPq, os recursos do orçamento aprovado já não eram suficientes para durarem até dezembro e, portanto, necessitaria da aprovação de um valor extra ao recurso previsto.
  • 11 de junho: O Congresso Nacional aprovou com quase unanimidade dos parlamentares que o governo federal pudesse abrir crédito suplementar ao orçamento de 2019; a aprovação aconteceu porque o Poder Executivo entrou em um acordo com os parlamentares e se comprometeu a liberar R$ 330 milhões ao pagamento das bolsas do CNPq, além de outros itens.
  • 26 de julho: Em viagem a Mato Grosso do Sul, Marcos Pontes disse que queria “resolver” o problema da falta de verba para as bolsas ainda naquele mês. “Isso tem que ser resolvido ainda este mês. Já tenho falado sobre o CNPq há algum tempo e isso tem que ser feito agora, eu não posso deixar 70 mil bolsistas sem receber de setembro para a frente“, afirmou ele.
  • 30 de julho: O MCTIC atualiza o pedido de crédito suplementar ao Ministério da Economia para R$ 330 milhões.
  • 11 de agosto: Com a indefinição sobre a verba extra, faltando mais de um terço do ano, o CNPq já havia usado 88% do orçamento previsto para 2019. Ao G1, o Ministério da Economia afirmou que a Junta de Execução Orçamentária (JEO) ainda estava avaliando o pedido feito desde março, e que não tinha prazo para tomar uma decisão.
  • 16 de agosto: A falta de crédito suplementar fez Pontes admitir que ainda havia risco de os estudantes não receberem o pagamento referente às bolsas de setembro; para agosto, ele afirmou que o dinheiro era suficiente.
  • 28 de agosto: Segundo o blog da Andréia Sadi, o ministro Marcos Pontes disse que ‘implorou’ ao ministro da Economia, Paulo Guedes, pelos recursos para o CNPq, mas que ainda não havia garantias.
  • 3 de setembro: Sem definição por parte da Economia, Pontes decidiu cortar ações de seu próprio ministério para garantir recursos e pagar as bolsas de pesquisa referentes a setembro. Para isso, ele congelou custos de fomento à pesquisa como insumos, equipamentos e viagens e remanejou R$ 82 milhões do orçamento aprovado da pasta. Ainda assim, ele alertou que faltavam cerca de R$ 248 milhões para que a conta fechasse até o fim do ano.
  • 17 de outubro: Neste mês, o ministro anunciou que, por fim, havia conseguido garantias definitivas do governo e do Congresso de que seriam liberados R$ 250 milhões para pagamento das bolsas de pesquisa até dezembro deste ano.
  • 23 de outubro: O Congresso Nacional aprovou o PLN 41/2019, que libera a suplementação orçamentária no valor de R$ 93 milhões para as bolsas do CNPq, além de outras ações de vários ministérios. A tramitação do projeto levou oito dias.
  • 29 de outubro: O Ministério da Economia assina portaria autorizando a liberação dos demais R$ 157 milhões destinados ao MCTIC e ao pagamento das bolsas. A portaria foi oficializada na edição desta quarta-feira (30) do “Diário Oficial da União” (DOU).

O ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, solicitou recursos extras para o CNPq em 1º de março deste ano, segundo afirmou o Ministério da Economia (Foto: José Cruz/Agência Brasil)

 

Orçamento do CNPq para 2020

No início de setembro, enquanto ainda não sabiam se teriam recursos para cobrir o buraco orçamentário das bolsas de pesquisa, pesquisadores, entidades acadêmicas e servidores do CNPq já começaram a se mobilizar contra a proposta de orçamento do governo federal para 2020. A Proposta de Lei Orçamentária Anual (PLOA) para o ano que vem foi apresentado no mês passado e atualmente tramita no Congresso.

Apesar de o Ministério da Economia ter alocado mais verba do que em 2019 para o pagamento de bolsas, servidores alertam que isso foi feito por meio de grandes cortes em outras áreas, e não uma expansão do investimento governamental na ciência.

Uma comparação entre a PLOA 2020 e a do ano anterior mostra que o governo prevê recursos para o fomento de 701 projetos de pesquisa e desenvolvimento, contra 3.681 do orçamento 2019. Além disso, o número de ações de cooperação internacional cairá de 15 para 5, segundo o documento atual. Já o número previsto de projetos e eventos de “educação, divulgação e popularização da ciência, tecnologia e inovação” em 2020 é de 38, menos de metade dos 80 incluídos na proposta anterior. A queda total de recursos chega a 87%.

No caso das bolsas de pesquisa, a PLOA 2020 aumentou a verba para prevenir o mesmo rombo orçamentário deste ano. Porém, a ação de formação de pesquisadores foi dividida em duas: 76 mil bolsas continuam na área geral de “pesquisa e desenvolvimento”, e outras 4 mil bolsas foram alocadas em “atividades de pesquisa tecnológica, empreendedorismo e inovação”.

Fonte: G1