Na Parnaíba da década de 1950 o número de carros era pequeno e menor ainda o de motocicletas. Carroças, bicicletas e pedestres circulavam tranquilamente pelas ruas e avenidas da cidade. Nenhum risco no trânsito. Não havia semáforos nem placas indicativas de mão e contramão. Nos cruzamentos a buzina era sempre acionada. Não se falava em poluição sonora. Até as bicicletas tinham buzina encaixada no guidão ora em forma de corneta ora de campainha.

Os amantes de motocicleta usavam-na como meio de transporte e de lazer,  permitindo-se passeios em que se integravam plenamente à paisagem percorrida: marítima, lacustre, rural, fluvial e urbana.

Duas motocicletas da época me ficaram na memória: uma pertencente a Franklin Veras (Indian) e a outra a Antônio Vieira (Java).

indian

A moto de Franklin era mais possante. Tanto ele quanto Antônio Viera gostavam de percorrer a rua Grande (presidente Vargas) em alta velocidade ziguezagueando por entre os postes de iluminação elétrica então existentes no meio da comprida e estreita via.

Lembro-me também  de algumas bicicletas com pequeno motor acoplado abaixo  dos pedais, ou no eixo da roda dianteira ou sobre a mesma. O livro-álbum “Mergulho nas Lembranças da Minha Parnaibinha  –  Anos 40/60”, de Raimundo Nonato Caldas – Cavour, contém fotografias desses modelos, pertencentes ao professor Augusto Bauer, Anisinho Sampaio e Chicão Correia.

Nos anos 60  começou na cidade a onda de lambretas e de vespas, que a Europa fabricava desde os anos 40, com a novidade do pneu sobressalente no estepe. Meu vizinho Francisco Pessoa, conhecido como professor Baiano, possuía uma.

O mais conhecido mecânico de lambretas era o Pimenta, com oficina no bairro São José.

A partir dos anos 70 a cidade passou a conviver com motocicletas japonesas, inicialmente  importadas e depois  montadas no país: Honda,  Yamaha e Suzuki, todas de 50, 125 e 250 cilindradas.

O empresário Onofre Martins de Sousa Filho vem-se destacando desde então como o principal re/vendedor de motocicletas em Parnaíba e cidades circunvizinhas.

Foi nos anos 70 que aderi ao motociclismo, chegando a possuir motos nas três categorias mencionadas. Nunca participei de competições em respeito às minhas limitações. Contentava-me com passeios pela orla marítima e com viagens até cidades cearenses e maranhenses próximas de Parnaíba.

Mesmo montado em XLX – 250 R, apropriada para trilha, areia, lama e morro, fui sobretudo motoqueiro de asfalto e de beira de mar.

Nas décadas de 1970 e 1980 o melhor motoqueiro era Genilson Veras. Arrojado, técnico, competitivo, muito treinamento e talento  –  qualidades sempre presentes nos grandes campeões. Genilson transmitiu ao filho Mateus Portela o amor pelo motociclismo e os segredos para ser um vencedor. Genilson está aí firme e forte; o filho voou para o céu.

Outros bons motoqueiros da época: Jorge Rezende, Capitão Caverna, Ariosto Ibiapina, Tote Ibiapina, Evandro Mourão, Renato Machado, Roberto Pilin, Ronaldo Lobão.

Havia os que, como eu, curtiam motocicleta sem espírito competitivo: Guido Moreira, Felipe Pires, Onofre Filho e outros.

Sobre motocicleta aprendi o básico: usar o acessório (capacete, botas, colete, náilon, luvas), seguir a técnica (farol aceso, habilitação, mãos no guidão,  pé na pedaleira, freio revisado) e cumprir a regra (faixa do trânsito, placa do trânsito, guarda do trânsito, multa do trânsito, semáforo do trânsito).

Essas recomendações tão simples estão presentes em vários versos do seguinte poema que escrevi em 1985:

 

BALADA  DO  MOTOQUEIRO

Dizem-me os amigos

que não querem que eu morra:

“não andes de moto”.

Mas, ó diletos amigos

que não admitem que eu morra,

eu ando de moto

eu corro  de moto

eu paro de moto

eu disparo de moto

–  e não morro de moto.

Sim, amigos,

eu não morro de moto

nunca pelo capacete

nunca pelas botas

nunca pelo colete

nunca pelo  náilon

nunca pelas luvas

eu não morro de moto

não pelo farol aceso

não pela habilitação

não pelas mãos no guidão

não pelos pés na pedaleira

não pelo freio revisado

nem pela faixa do trânsito

nem pela placa do trânsito

nem pelo guarda do trânsito

nem pela multa do trânsito

nem pelo semáforo do trânsito:

afinal de contas

nunca valeria a pena morrer pelo acessório

não valeria a pena morrer pela técnica

nem valeria a pena morrer pela regra.

 

Em verdade, amigos,

eu não morro  de moto

porque nela eu varo o vento

que acaricia o sol e as estrelas

porque nela eu varro a poeira

que alvoroça o galo e a coruja

porque nela eu viro a paisagem

que desenha o dia e a noite

porque nela eu desnudo as conchas

que se ocultam entre colchas e coxas.

 

Eu não morro de moto,

meus queridos amigos,

porque é com ela

que (ultra)passo  a praia

a pedra

a trilha

o morro

a rua

e

(insisto persisto e não desisto)

–  de moto eu não morro.

 

É isso aí, amigos,

É de moto que eu ando

e caio

e corro

e paro

e disparo

na praia

na pedra

no morro

na rua

–  e não morro.

 

(Minha moto não é cruz: é cross).

 

Definitivamente, amigos,

de moto eu não morro

porque a praia que passa

na rota da moto

a pedra que passa

na roda da moto

a trilha que passa

no rush da moto

o morro que passa

no ronco da moto

a rua que passa

na ronda da moto

– transformam-me em pássaro.

(Pássaro não morre: VOA).

 

Por Alcenor Candeira Filho