Trabalho inédito de caso-controle feito a pedido do Ministério da Saúde examinou nascimentos de crianças com microcefalia em Pernambuco e revela também que nem sempre as más-formações cerebrais puderam ser detectadas por imagem.
Pesquisadores brasileiros e britânicos conseguiram confirmar a relação de causalidade entre o vírus da Zika e a microcefalia em recém-nascidos e recomendam que as autoridades de saúde em todo mundo se preparem para uma epidemia global de casos de microcefalia e outras complicações ligadas ao vírus.
Pedem ainda que o Zika seja oficialmente adicionado a uma lista de infecções que podem ser transmitidas para gestantes e seus bebês, como a toxoplasmose, a rubéola e o herpes. O Zika já foi detectado em 61 países, a maioria deles nas Américas, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), que em fevereiro declarou a epidemia uma emergência internacional e reiterou o status no último dia 2.
Em abril, a agência de saúde do governo dos Estados Unidos (CDC) já havia anunciado a comprovação de que o vírus da Zika causa microcefalia e outras graves más-formações em bebês, em estudo publicado no New England Journal of Medicine que analisou diversas pesquisas sobre o tema.
Agora, a BBC Brasil obteve os resultados preliminares de um inédito estudo de caso-controle, feito a pedido do Ministério da Saúde e que será publicado nesta sexta-feira pela revista médica americana The Lancet. Os cientistas analisaram o nascimento de crianças com microcefalia em oito hospitais públicos de Pernambuco, um dos Estados brasileiros mais afetados pelo surto da doença, e compararam com bebês cuja circunferência craniana estava dentro dos padrões.
Os pesquisadores colheram amostras de sangue e fluido cérebro-espinhal dos bebês, além de amostras de sangue das mães dos dos grupos. De 32 casos de bebês nascidos com microcefalia, 24 apresentaram a presença do vírus no organismo das mães (81%), em comparação com 61% das mães do grupo controle (39 de 61).
Treze dos 32 bebês nascidos com microcefalia (40%) apresentaram o vírus no sangue ou no fluido cérebro-espinhal, ao passo que nenhum dos bebês do grupo de controle apresentou infecção. Os pesquisadores também analisaram as amostras de sangue das mães para a presença de outras infecções, e uma grande proporção delas teve resultados positivos para dengue e infecções como o citomegalovírus (uma espécie de herpes), a rubéola e a toxoplasmose – esta última também associada à ocorrência de microcefalia.
Mas não houve grande diferença de resultados entre os dois grupos, ou seja, houve pouca alteração na incidência dessas demais doenças.
Outro ponto interessante do estudo foi a análise dos cérebros dos bebês com microcefalia. Apenas em sete de 27 casos que foram submetidos a tomografias computadorizadas foi possível identificar anomalias cerebrais nos bebês com perímetro encefálico menor.
“Existe uma grande diversidade de casos, e a verificação disso dependerá de um acompanhamento (por estudos posteriores) do desenvolvimento cognitivo desses bebês”, explica à BBC Brasil a médica Thália Velho Barreto de Araújo, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), uma das autoras do estudo.
“Mas é possível que mulheres que se infectem tardiamente (com a Zika) tenham bebês com um dano cerebral menor (e invisível nas tomografias). Só mais pesquisas vão confirmar isso.”
Barreto explica também que “uma grande proporção de mães de bebês nascidos com ou sem microcefalia tinha sido infectada com o Zika, o que reflete o rápido alastramento do vírus na região. Mas quando comparamos os casos confirmados de infecção em recém-nascidos, descobrimos que mais de 40% dos bebês com microcefalia testaram positivo para o Zika, e nenhum no grupo de controle. A presença de anticorpos para o vírus no líquido cérebro-espinhal indica infecções no sistema nervoso, mas nem todo os casos de microcefalia apresentaram anomalias no cérebro”, explica
Há a suspeita de que o percentual de infecção congênita possa ser ainda maior. Os pesquisadores explicam que o exame de sangue e fluido cérebro-espinal, o único método vigente de detectção do Zika em recém-nascidos, tem precisão limitada, sobretudo no caso de infecções ocorridas nos primeiros estágios da gravidez.
Isso sugere que pode haver casos positivos entre os 19 bebês com diagnóstico negativo, apesar da microcefalia. Segundo os pesquisadores, é improvável que a microcefalia tenha sido causada pela ação de outras infecções como a toxoplasmose porque nem as mães e nem os bebês em questão apresentaram anticorpos específicos dessas mazelas.
“Os resultados preliminares sugerem que o Zika deveria ser oficialmente adicionado à lista de infecções congênitas como a toxoplasmose e o herpes, por exemplo”, explica Thália.
O estudo incluiu todos os bebês nascidos em oitos hospitais entre 15 de janeiro e 2 de maio deste ano. Para cada caso de microcefalia, dois casos de controle foram escolhidos – os dois primeiros bebês nascidos sem microcefalia na manhã seguinte em qualquer um dos hospitais.
Todos os casos foram agrupados em função da região de nascimento e data esperada do parto. Participaram cientistas da UFPE, da Universidade Estadual de Pernambuco, da Organização Pan-Americana de Saúde e da London School of Hygiene & Tropical Medicine.
No total, serão analisados 200 casos de bebês com microcefalia e 400 de bebês sem a má-formação em Pernambuco.
“Há um forte consenso científico de que a Zika causa microcefalia, mas os resultados preliminares desse estudo são as peças que faltavam em um quebra-cabeças para provar essa ligação”, explica Laura Rodrigues, professora de epidemologia da London School.
Fonte: G1