O Brasil comandado pelo Judiciário. Afronta à Constituição Federal – Josino Ribeiro
O brasileiro há algum tempo convive com a desastrosa e preocupante situação de estar sendo comandado pelo Poder Judiciário, tendo como líder um de seus integrantes, no caso, o Sr. Alexandre, conhecido como “Xandão”, restando acomodados, isto é, subordinados ao “Poder da Toga”.
Em relação ao Executivo o STF, embora não tenha inocentado o condenado em mais de uma instância, considerou inválido determinados procedimentos das ações penais e proporcionou que o Sr. Lula da Silva fosse eleito Presidente da República, restando a subordinação do mesmo ao Judiciário.
O Legislativo também não tem voz, haja vista que a maioria de seus integrantes responde a processos tramitando no STF e vivem sob a ameaça da “Toga”, que a cada dia continua mandando, independentemente das regras constitucionais.
O jurista LEONARDO CORREA escreveu matéria que se constitui numa verdadeira pérola acerca da grave situação enfrentada pelo País e sua gente, que a coluna colheu do site da Academia Piauiense de Letras Jurídicas e reproduz integralmente nesta edição da coluna.
A matéria, pela realidade conhecida de muitos que incorrem em condenável cumplicidade, deve ser lida para, quem sabe, motivar futuras ações.
“ELES GRITAM DO TÚMULO : A VOZ DOS JURISTAS DO PASSADO CONTRA O STF ATUAL*
*Leonardo Correa, jurista (Presidente da Lexum).
Publicado em 25 de março de 2025.
No filme Amistad, há uma cena poderosa em que John Quincy Adams sustenta oralmente, perante a Suprema Corte dos Estados Unidos, a causa de homens africanos ilegalmente escravizados. Ele conta que Cinque, o líder entre eles, dissera ter invocado os espíritos de seus ancestrais, clamando por força para resistir à injustiça. Comovido por essa fidelidade ao passado, Adams se volta então aos “Founding Fathers” — George Washington, Thomas Jefferson, James Madison — e pergunta aos juízes: “O que fariam eles?”. E, num gesto retórico marcante, confronta a Corte com a possibilidade de que, se ignorarem os princípios fundadores, talvez devessem rasgar a própria Constituição.
Aquela cena não é apenas cinema. É um lembrete de que há momentos na vida de uma nação em que o silêncio é cumplicidade e o esquecimento é traição.
Foi pensando nisso que resolvi recorrer aos nossos próprios ancestrais — não os revolucionários armados, mas os juristas que defenderam o Direito quando ele corria risco de se converter em instrumento de poder.
O que vivemos hoje no Brasil exige esse gesto de memória. Temos presos condenados sem individualização de conduta, inquéritos ilegais que jamais deveriam ter sido instaurados, decisões que ignoram garantias fundamentais e sentenças que confundem divergência com crime. No centro desse cenário está o inquérito das fake news — que se eterniza sem base legal — e os julgamentos do 8 de janeiro, onde pessoas como a cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos foram transformadas em inimigas públicas e condenadas de forma exemplar, como advertência política.
Já não se trata apenas de erros pontuais, mas de um padrão de exceção travestido de normalidade. Quando o Supremo abandona o papel de guardião da Constituição para assumir o de gestor da ordem pública, e a legalidade cede lugar à conveniência do momento, é hora de “ouvir os mortos”.
Pensei em Ruy Barbosa, Pontes de Miranda, Raymundo Faoro, Goffredo Telles Jr. E pensei, sobretudo, em Sobral Pinto. Eles formam uma linhagem que não admitia concessões quando o tema era liberdade, processo legal, Constituição. Já não estão entre nós — mas seus exemplos, suas advertências e seus gestos de coragem permanecem vivos. E diante do que se passa hoje no Brasil, eles não silenciam. Eles gritam do túmulo.
Ruy Barbosa, com sua obsessiva defesa das liberdades públicas, seria um crítico feroz da hipertrofia judicial e da erosão do devido processo legal. Veria na figura do juiz que “interpreta” contra o texto uma traição à República. Sua advertência atravessa o tempo como um trovão: “A pior ditadura é a do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer.” A prática atual de governar por sentenças, de legislar em nome da moral, de reinterpretar direitos fundamentais com base em convicções subjetivas, seria para ele um novo despotismo — agora de toga.
Pontes de Miranda, jurista da lógica e da estrutura, reagiria ao cenário atual como quem assiste à implosão de um edifício construído com método e precisão. Veria a norma sendo dissolvida pela retórica, os conceitos jurídicos sendo desfigurados por discursos políticos, e os princípios — outrora elementos de harmonia — sendo usados como armas. Para ele, que acreditava na ciência do Direito como contenção da vontade de poder, o neoconstitucionalismo seria o nome técnico da desordem institucional.
Raymundo Faoro, autor de “Os Donos do Poder”, reconheceria de imediato os sinais do velho patrimonialismo reinventado em toga. Veria o Judiciário ocupando o centro da engrenagem política, não mais como poder moderador, mas como instrumento de centralização e tutela. Entenderia que a velha estrutura do estamento burocrático — contra a qual lutou com lucidez — está mais viva do que nunca, agora legitimada por discursos morais e interpretações criativas da Constituição. Faoro não aceitaria o uso do Direito como verniz técnico para justificar um poder personalíssimo. Denunciaria, como sempre fez, a conversão do Estado em aparelho de dominação sob o pretexto de civilização.
Goffredo Telles Jr., autor da histórica “Carta aos Brasileiros”, veria no presente a volta de tudo aquilo que combatemos no passado: perseguição política, relativismo jurídico, prisões como espetáculo. Ele, que escreveu sua carta em plena ditadura, não silenciaria diante de um Judiciário transformado em tribunal de emergência. Veria os novos inquisidores com os mesmos olhos com que olhava os antigos: como ameaças disfarçadas de virtude. Reafirmaria que o Estado de Direito não é uma aspiração, mas um limite. E que sem limites, até a justiça se torna injusta.
E Sobral Pinto — o advogado dos homens solitários, das causas impopulares, da fé no Direito mesmo quando o mundo desabava — também grita. É possível ouvi-lo, se ouvirmos com atenção. Está ao lado do acusado, não porque ele é bom, mas porque o Estado é perigoso. Sobral não perguntaria por quem votou a cabeleireira Débora, nem o que disseram os réus de 8 de janeiro. Perguntaria apenas se foram julgados segundo o devido processo legal, se lhes foram garantidas a ampla defesa, a imparcialidade do juiz, a proporcionalidade da pena. E, diante das respostas, ergueria sua voz. Ele, que certa vez invocou a Lei de Proteção aos Animais para proteger um preso político torturado, sabia que a civilização começa quando até o inimigo tem direitos — porque, do contrário, todos nós somos inimigos em potencial.
Esses cinco homens não aceitariam a desculpa do “contexto”. Não cederiam à lógica do “momento excepcional”. Eles sabiam que é precisamente nos momentos sombrios que a Constituição deve brilhar com mais força. E que não se rasga a Constituição em nome da democracia, nem se viola a legalidade em nome da justiça. O que começa como exceção logo se torna regra, e o que se tolera hoje se repete amanhã contra outros — talvez contra você.
O neoconstitucionalismo, ao deslocar o centro do Direito da legalidade para a moralidade, forneceu o verniz teórico para o ativismo que vivemos. Ao afirmar que princípios se sobrepõem a regras, sem critérios objetivos claros, abriu caminho para que a Constituição deixasse de ser um limite e passasse a ser um instrumento de poder. O juiz tornou-se o novo legislador, o novo moralista, o novo soberano. E o cidadão, seu súdito. Isso não é civilização. É regressão.
Esses cinco juristas, embora distintos em formação e temperamento, compartilhavam um ponto de partida comum: a Constituição não é uma sugestão. Ela é o escudo do cidadão contra o poder. Quando ela é ignorada, reinterpretada ao sabor das paixões ou adaptada ao gosto do governante de ocasião, todo o edifício desaba. Por isso, não pedem ponderação. Pedem respeito. Não sugerem cautela. Exigem fidelidade. Eles gritam do túmulo.
E se hoje nos perguntamos, como John Quincy Adams perguntou à Suprema Corte americana, o que fazer com a Constituição, a resposta está diante de nós — não em tribunais de ocasião, mas nas vozes silenciosas dos que nos antecederam com coragem. A Constituição não existe para ser moldada ao poder, mas para contê-lo. Não é um texto vivo que muda com o vento. É, como dizia Antonin Scalia, um texto morto — no melhor sentido da expressão: um compromisso firmado, escrito, limitador. Porque apenas o que está morto não pode ser manipulado. E os mortos, se preciso, ainda falam por ela.