O maior envenenamento da história do Brasil: polícia conclui caso que matou oito pessoas em Parnaíba
A Polícia Civil do Piauí concluiu a investigação sobre os envenenamentos que resultaram na morte de oito pessoas de uma mesma família em um imóvel no conjunto Dom Rufino II, em Parnaíba. Após 61 oitivas, o caso foi considerado o maior envenenamento em número de vítimas da história do Brasil.
Francisco de Assis está preso desde o dia 8 de janeiro, suspeito de planejar e executar os crimes. Já Maria dos Aflitos, apontada como cúmplice, foi detida temporariamente em 31 de janeiro. A polícia identificou um padrão meticuloso nos envenenamentos, que teriam sido premeditados e cometidos de forma calculada ao longo dos meses.
O primeiro envenenamento
João Miguel Silva, de 7 anos, e Ulisses Gabriel Silva, de 8, foram as primeiras vítimas da série de mortes. Eles passaram mal após ingerirem alimentos contaminados. Os meninos eram filhos de Francisca Maria da Silva e netos de Maria dos Aflitos. Eles foram internados em Teresina e morreram semanas depois: João Miguel em 12 de setembro e Ulisses Gabriel em 10 de novembro.
À época, o padrasto de Francisca Maria, Francisco de Assis, afirmou às assistentes sociais do Hospital Estadual Dirceu Arcoverde e à polícia que os meninos haviam consumido cajus supostamente doados por Lucélia Maria da Conceição, vizinha dos fundos da residência. No dia seguinte, 23 de agosto, Maria chegou a registrar um boletim de ocorrência contra a vizinha, acusando ela diretamente pelos envenenamentos.
Lucélia é descrita por testemunhas como uma mulher com temperamento explosivo e histórico de desavenças com crianças da região. Durante a investigação, a polícia, cumprindo mandado de busca e apreensão, encontrou terbufós na casa de Lucélia, substância que a vizinha havia negado possuir. Além disso, um gato foi encontrado morto em frente à sua residência e a perícia confirmou que ele também havia sido envenenado com terbufós.
Os depoimentos de Maria dos Aflitos e Francisco de Assis desviaram o rumo das investigações sobre a morte de João Miguel Silva e Ulisses Gabriel Silva, que supostamente ingeriram cajus envenenados. Lucélia afirmou em seu depoimento que o irmão lhe ensinou a usar pesticida nos cajus para matar morcegos, o que reforçou as acusações contra ela. Com essas evidências, Lucélia foi presa preventivamente.
O segundo envenenamento
Acontece que mesmo após prisão da mulher, mais pessoas da mesma família foram envenenadas.
Um almoço servido na mesma casa do outro envenenamento no Ano Novo, em 1º de janeiro de 2025, levou nove pessoas da família a precisarem de atendimento médico. Cinco da vítimas morreram nos dias seguintes: Manoel Leandro da Silva, 18 anos; Igno Davi da Silva, 1 ano e 8 meses; Maria Lauane da Silva, 3 anos; Francisca Maria da Silva, 32 anos; Maria Gabriela da Silva, 4 anos.
Mais uma vez, segundo a polícia, na tentativa de desviar o foco da investigação, tanto Maria dos Aflitos quanto Francisco de Assis apontaram que o alimento envenenado seriam manjubas (peixes) doadas por uma organização não governamental na tentativa de fazer que a culpa outra vez recaísse sobre outra pessoa.
Mas logo a polícia descobriu a verdade sobre o alimento envenenado. Exames toxicológicos comprovaram que, na verdade, um baião de dois que foi preparado no dia 31 de dezembro de 2024 era onde estava a substância tóxica.
“Os primeiros a comerem do baião foram os primeiros a morrer. A gente acredita que quando o baião foi mudado de panela (para ser requentado) tinha tanto veneno na panela que na panela original em que foi feito o alimento, ele foi tão misturado que foi tirado quase todo para ser colocado em outra panela, que no pregado no fundo da panela tinha veneno […] Então quando foi acrescentado água e requentado, a maior concentração de veneno subiu e os primeiros que se alimentaram foram os que morreram”, relatou o delegado que preside a investigação, Abimael Silva.
Maria dos Aflitos foi a única que declarou que não comeu nenhum alimento no horário da refeição. De acordo com a polícia, Francisco de Assis mudou de versão sobre o consumo do alimento todas as vezes em que foi questionado pelos investigadores, vindo a apresentar sintomas apenas quase quatro horas após o ocorrido, o que, segundo os investigadores, pode caracterizar uma contaminação dérmica, pelo manuseio da substância, e não por ingestão.
O último envenenamento
No dia 22 de janeiro, mais uma pessoa foi internada suspeita de envenenamento após visitar a casa da família. Maria Jocilene da Silva, de 41 anos, vizinha de Maria dos Aflitos, foi a vítima. Conforme as apurações, Jocilene faleceu após ingerir café na casa da suspeita. Segundo informações, ela e Maria dos Aflitos mantinham um relacionamento amoroso há anos, antes mesmo da chegada de Francisco de Assis à família.
Ainda de acordo com as investigações, Jocilene havia sido internada após o episódio do Réveillon, mas recebeu alta. Em agosto de 2024 foi a única a permanecer cuidando de João Miguel e Ulisses Gabriel no hospital e chegou a perder o emprego por isso. Além disso, teria denunciado a falta de assistência de Maria dos Aflitos às crianças.
No momento da chegada dos agentes, Maria dos Aflitos teria alegado que Jocilene sofreu um infarto e mencionou um episódio semelhante ocorrido anos antes, em Brasília. Porém, segundo a polícia, um áudio do depoimento da suspeita reforça a suspeita de que ela tentou despistar as autoridades e encobrir mais um possível envenenamento dentro da própria casa.
Desfecho do caso
A morte de Jocilene aumentou as suspeitas contra Maria dos Aflitos. Após ser presa em 31 de janeiro de 2025, ela confessou o crime, afirmando que envenenou a vítima na esperança de conseguir a libertação de Francisco de Assis, assim como ocorreu com Lucélia.
“O que houve é que eu tava cega de amor pelo Assis, e pra ter ele de volta, poderia acontecer o mesmo caso”, afirmou a suspeita.
Maria dos Aflitos afirmou que Francisco foi o responsável pelos primeiros envenenamentos, motivado pelo desprezo aos filhos e netos. Segundo ela, apesar das suspeitas, estava “cega de amor”. Alegou ainda que ele teria planejado o uso dos cajus para incriminar Lucélia.
Maria confirmou que as duas primeiras crianças foram envenenadas por um suco e que Francisco adicionou veneno ao arroz durante a madrugada, enquanto ela dormia. Sobre a morte de Jocilene, disse ter encontrado o veneno atrás do fogão e despejado todo o conteúdo no café, descartando a embalagem antes da chegada da perícia. Jocilene ingeriu a bebida sem perceber e ainda utilizou a mesma taça para tomar água.
Um crime arquitetado
A crueldade de Francisco ficou ainda mais evidente com a análise de livros encontrados em um baú e em uma segunda casa de acesso exclusivo dele.
Entre as obras, destacou-se Médicos Malditos, que aborda práticas da SS nazista.
Investigadores encontraram trechos grifados, incluindo uma anotação sobre o uso de substâncias letais: “mas para despistar as futuras vítimas, o produto deveria ser eficaz e sem gosto”, característica que coincide com as propriedades do terbufós.