O PARADOXO DE PINÓQUIO
Vitor de Athayde Couto
– “Meu nariz vai crescer agora”. Dita por qualquer pessoa, esta frase não tem nenhuma importância. Se o Pinóquio falasse…
– Pera, Mani! – interrompeu Anaïs. – E se o defunto de um mentiroso, no meio do funeral, disser “morri não, haha…”? O defunto estará morto ou vivo?
– Pois é, miga. Bem-vinda ao paradoxo de Pinóquio. Se ele disser “meu nariz vai crescer agora”, isso vai implicar duas hipóteses:
1) O nariz do Pinóquio não cresce. Então ele disse uma mentira, portanto, o nariz deveria ter crescido.
2) O nariz do Pinóquio cresce. Então ele disse uma verdade, portanto, o nariz dele não tinha motivo para ter crescido.
Ambos os casos contêm uma contradição: se o nariz cresce, não deveria ter crescido; e, se o nariz não cresce, deveria ter crescido.
Muitos tentaram resolver o paradoxo de Pinóquio matematicamente. Mas até os phds e postdocs (diminutivos de philosophy doctors e de postdoctors)…
– Diabéisso? – perguntou Anaïs, ao que Mani respondeu:
– É como se diz em inglês, a língua que deu origem a esses graus. É difícil traduzir e explicar. A chamada comunidade científica faz a maior confusão. Primeiro, por problemas de tradução. Uns traduzem postdoc como estagiário. Outros, como pós doutor. Tem até aqueles que criam um espantalho para depois bater. No caso, o espantalho chama-se “título”. Segundo, porque isso varia de um país para outro. Aqui e nos EUA não há limite para o tempo de formação de um postdoc, bastam alguns meses. Já na Suécia e no Canadá são exigidos, em alguns casos, até cinco anos…
– Sério?
– …isso mesmo, miga, cinco aninhos para alguém obter esse grau. Outro exemplo: a École Pratique des Hautes Études, da França, outorga diploma postdoctoral, mas só a partir do terceiro ano. Se você quiser mais detalhes, pesquise dados recentes, em inglês, francês, alemão… Se pesquisar em português do Brasil, você só vai encontrar polêmicas desatualizadas. Quem começou essa confusão foi um economista conservador que ocupou altos cargos durante o regime militar de 1964. Lá pelos anos 70, para reprimir os salários dos professores, criticou phds e mbas, recorreu ao espantalho e declarou que o [“título” de] postdoctor é pura invencionice brasileira. Assim, dividiu a categoria, e, não satisfeito, atacou direitos, e defendeu a tese de que professores ganham bem. Acredite, miga. Os economistas do regime militar não eram amadores. Eu até reconheço que nós, brasileiros, adoramos invencionices, e muitas vezes deturpamos o patrimônio imaterial alheio. Veja o caso da gastronomia. Croissant solado, com recheio de salsicha de hotdog, ninguém merece. Estrogonofe com ketchup atrai pela quantidade de açúcar. A pizza com borda recheada com “queijo” catupiry, então… E ainda queremos ser reconhecidos, alardeando que São Paulo é a capital mundial da pizza.
– Verdade. Deve ser porque lá tudo termina em pizza.
– Boa, Anaïs, haha, não tinha pensado nisso. Mas já vou terminar com um último exemplo: os alemães, por sua vez, entendem postdoc como um grau elevado atribuído a um Wissenschaftler.
– Pai amado! – exclamou Anaïs, fazendo o sinal da cruz. – Na família onde fui criada, ninguém nunca falou um palavrão desse.
– Retomando o paradoxo, escute, eu estava me referindo aos phds e postdocs. Eles chegaram à mesma conclusão: o paradoxo de Pinóquio não tem solução.
Em Parnasia, onde a mentira tampouco tem solução, existe um barbeiro que atende pelo apelido de Barberim. Ele barbeia todos e somente aqueles moradores que não barbeiam a si mesmos. Então, quem barbeia o barbeiro?
Essa questão, que tampouco foi resolvida, levou um grupo de intelectuais a formar uma sociedade secreta. Ocorre que, desde o dia da inauguração solene, a sociedade deixou de ser secreta, haha. Nenhum membro resistiu à vaidade de se fazer conhecido como intelectual. Bastou cada um deles contar, em segredo, para a pessoa mais próxima, desde que ela não contasse para mais ninguém. No dia seguinte, todas as redes sociais já divulgavam o projeto da sociedade secreta, que abrangia as seguintes atividades:
- a) demonstrar o paradoxo de Anderson; b) demonstrar o paradoxo do mentiroso; c) demonstrar o paradoxo da escolha; d) demonstrar o paradoxo do peixe vermelho; e) demonstrar o dilema do prisioneiro (este, bem do agrado dos economistas ortodoxos conservadores); tudo isso, além de demonstrar mais uma infinidade de outros paradoxos.
– Mas, com qual objetivo? – perguntou Anaïs.
– Ora, miga. Você ainda não adivinhou? Essa discussão só tem uma serventia: ocupar o tempo ocioso das pessoas, pois já não se fazem mais pirâmides como antigamente. Nem faraós.