OITAVA MALDIÇÃO: O ASSASSINATO
Vitor de Athayde Couto
Logo após a merenda, ops, o lanche, Vó Branquinha e os três netinhos deram duas voltas completas na praça. Primeiro, num sentido. Depois, no outro. Assim faziam os jovens, na boca da noite dos domingos, quando terminava a missa na matriz. As moças rodavam para um lado, os rapazes, para o outro, trocando olhares. Ao se cruzarem, os olhares geravam faíscas de emoções abstratas, como nas fotonovelas das revistas Grande Hotel. Vó Branquinha lamenta que, hoje em dia, muitos jovens praticam falsas caminhadas…
– Falsas caminhadas? Como assim, vovó?
– Isso mesmo, Estefânia, falsas caminhadas. Os jovens caminham bastante, sem sair do lugar.
– Não entendi.
– É que eles só caminham nas esteiras acadêmicas, sem olhares, sem faíscas de emoções e sem saber para onde vão. O seu único destino é a solitária balança de banheiro. O olhar cuidadoso dos pais foi substituído pelos gritos estressados de personal trainers, tão metidos a nutrólogos quanto em fantasias ridículas.
– Mas eles são fortes, né, vovó?
– Sim, os jovens são muito fortes, mas, infelizmente, parece que perderam a coragem. Antigamente, quando a praça era só um areal, eles resolviam acertos de contas, presencialmente, logo depois de verem filmes de caubói do Cinema Paraíso. Eram só brigas causadas por ciúme besta e medo de ser corno. Acontece que, hoje em dia, ninguém liga mais pra chifre, graças a essas músicas sertanejas – elas prestaram um grande serviço à sociedade, fazendo tudo que é corno ficar manso. Agora, pra resolver desavenças sérias, que envolvem, por exemplo, concorrência comercial e heranças familiares, os jovens riquinhos já não se enfrentam diretamente. Devido à falta de coragem e ao excesso de dinheiro, a moda é contratar jagunços matadores vindos de fora.
– É muita emoção, não é, vó? – admirou-se Margarida.
– Sim, mas, faz tempo, o último duelo na praça, de que se tem notícia, foi uma troca de tiros entre dois herdeiros de uma firma comercial. Infelizmente, um deles morreu. Esse crime abalou muito a cidade, só porque era uma briga de irmão contra irmão. Besteira, né? Irmão matando irmão é tão natural que está na Bíblia. Ademais, qualquer briga, mesmo entre dois desconhecidos, não é menos grave. Tudo é muito grave quando alguém é assassinado, pois não se deve tirar a vida de ninguém – disse Vó Branquinha fazendo o sinal da cruz.
– Esta praça tem muita história triste, não é, vó? – disse Estefânia.
– Sim, Faninha. Aqui aconteceram muitos crimes. Mas isso não é nada diante da nona maldição, que espero seja a última. A nona maldição é horrível, e tem a ver com a estátua do falso herói que tanto assusta Miguel. Nunca se aproximem daquela estátua. Ela é a causa de todas as maldições da praça e da cidade.
Ao ouvir isso, Miguel teve um pressentimento de que a estátua se moveu. Por ser muito racional e precoce, desde que desandou a falar, Miguel começou a se perguntar se a estátua era mesmo uma estátua – e logo descobriu: estátua de “herói” é só um detalhe na extensa mitomania que compõe a história oficial de Hermópolis. Será que o falso herói vai ressuscitar? Ou se trata apenas de mais um morto-vivo da elite hermopolitana?
(Termina na próxima sexta-feira)
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