OS EMPRESÁRIOS
Vitor de Athayde Couto
Por se acharem muito ricos, embora não frequentem a revista Forbes, nem mesmo a quarta capa da revista Caras, os comerciantes que dizem que são empresários entregam tudo aos contadores do escritório “Troca de Segredos”. Para eles, um bom contador dá sempre um jeitinho de zerar ou reduzir os impostos a pagar.
Mas sempre tem um que faz uma cagada. Daí os empresários autodeclarados vão atrás de uma solução política. É na lavanderia que se resolve a pendenga. O empresário lava a mão do deputado, que lava a mão do senador, que lava a mão do secretário, que lava a mão do empresário, e assim a roda vai girando e a fila anda. Prevalece o argumento: “Doutor, sou um homem de bem! Eu sonego meus impostos em dia!”
Embora estejam fora do ranking das maiores revistas, os empresários autodeclarados fazem muitas selfies e publicam nos blogs. Assim esperam compensar a sua exclusão da inatingível mídia plutocrata.
Com ajuda de micreiros profissionais, abusam dos photochopp’s, para diminuir a banha. Mas o chopp só aumenta a banha. Mal assessorados no vestir, adoram camisas pólo, com listras horizontais, por dentro da bermuda bege, com cinto. E meias compridas no sapatênis! Preferem camisas de cor branca e laranja, que as crianças adoram. Elas pensam que é um clip do filme Procurando Nemo. Toda segunda-feira os empresários juram que vão malhar na operação pócabanha, na academia. Mas nem. Em Parnásia, a semana inglesa sempre tem uma segunda-feira-sem-terça. E os dias são classificados em dias úteis e dias inúteis, quando todo bêbado é feliz, inteligente, culto, forte, bonito, e pensa que é muito rico – só porque os outros são muito pobres.
Nos fins de semana regados a uísque batizado e cervejas estupidamente, os empresários gritam mais alto do que os paredões e pancadões sertanejos universitários. Em seus discursos prolixos, em que se autoelogiam e distribuem baldes cheios de salamaleques, elegem e criticam os profissionais considerados os piores da Parnasia para os seus negócios e lazer: contadores, advogados, cafetões, cafetinas, raparigas e boys lixo. Mas sempre tem alguém insistindo em acrescentar políticos nesse pódio (podium, em parnasianês), mesmo correndo o risco de ser delatado por algum espião disfarçado de empresário. São penetras na festa dos Dez Menos (a Distop Ten, em parnasianês).
Em Parnasia não é difícil ser empresário autodeclarado. Qualquer gráfica imprime cartões de visita coloridos, fartamente ilustrados, que apresentam o respeitável “Fulano de Tal – empresário”. Leem-se também os seus endereços eletrônicos e links, nas redes sociais, onde eles exibem muitas fotos, principalmente de comidas de chefs, cervejas estúpidas, e uma taça de vinho como decoração. Só não se vê o CPF, muito menos o pejota.
Esses empresários e também os prováveis espiões freqüentam o mesmo bar e respiram o mesmo ar poluído. Morrem de prazer quando o garçom anuncia a sua chegada, em voz alta, ao cumprimentá-los com um forte aperto de mãos limpas. Limpas? “Boa noite, meu patrão! Fique à vontade!”
Quando todos estão bêbados, começam a cantar, lembrando da sua infância na roça. Bons tempos em que eram muito felizes e não sabiam: “Espião entrou na roda / Roda espião, bambeia espião…” Espiões nunca mostram a figura, do contrário não seriam espiões. Mas todo mundo sabe quem são eles.
– Como assim? – perguntou Anaïs.
– É nas eleições que eles aparecem – respondeu Mani. Estão em toda parte, comprando votos para seus capitães-de-mato. Muitos são pobres, porém de direita. Outros são mestiços, porém racistas. E todos são cristambeiros.
– Diabéisso?
– É uma mestiçagem ideológica que opera bem na mufunfa. Cristambeiro é uma mistura de cristão com macumbeiro. Vão às igrejas-do-copo-com-água, qualquer uma. Depois se escondem nos centros espíritas e de línguas, nos terreiros e casas de tarô, runas, búzios e pólvora. Nem queira entender tanta contradição. É por isso que se diz: Parnasia não é para principiantes, embora esteja tudo lá, nos horóscopos dos velhos almanaques. Mas eu mesma não consigo entender quase nada do povo, nem da cidade. Que bom que tenho minha vó Ceiça. Todo dia ela me conta um pedaço, conforme a tradição local. E assim eu vou entendendo Parnasia, bem devagarzinho, mesmo sem saber Latim.
(próxima crônica: “Bem-vindos a Roma”)
COMENTÁRIOS
Sobre a crônica “Formação do povo parnasiano”:
Uma leitora ficou horrorizada só porque clicou no link “cultura” e apareceu este vídeo “Solomai levi mai Jhonny”. Eu respondi: “Calma, na próxima crônica vai ter Chico Buarque. A cultura brasileira é muito diversificada.” E ela, sempre irônica, lacrou: “Mas não precisava diversificar tanto!” Rindo, até agora.
Sobre a crônica “Bye bye Parnasia”:
Outra leitora, que mora em algum lugar do Brasil, ou seja, na Parnasia, disse que faltou uma “nota comercial não fiscal” que ultimamente tem circulado muito: é a invoice. Esse documento viralizou na CPI da covid.
Um leitor assustou-se com o Chico cantando “talvez fique rũim pra pescar”, em vez de ruím. Respondi que é o jeito carioca de falar. É rũim, né? Vinicius dizia que uma coisa rũim é pior do que uma ruím. Não raro a ortodoxia gramatical é muito chata.
Quando Cacá Diegues pediu ao Menescal pra fazer a música do filme “Bye bye Brasil”, disse que não queria nenhum ritmo conhecido. Samba lembra o Rio de Janeiro. Baião, o Nordeste. A letra do Chico é uma viagem pelo país, embora só tenha gravado 10% do original. O resto se perdeu na transamazônica. Mas eu acho que o Menescal não conseguiu fazer um ritmo original. Reparei que a música é um beguine, conforme aprendi com meu mestre Eliziário. Segundo Edu Lobo, não é mais possível fazer uma música nova, original. Tudo será plágio. Até porque tudo já foi feito, diria Debussy se ainda estivesse vivo.
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Escute o texto com a narração do próprio autor:
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