PARNAÍBA, TERRA DE HERÓIS II
Vitor de Athayde Couto
Parabéns à Parnaíba, pelo seu aniversário!
Meu herói de hoje – o primeiro – na verdade, é uma heroína.
Com exceção dos que não querem saber ou admitir, todo mundo sabe que, para o capitalismo funcionar, é preciso que haja reposição dos trabalhadores. Diabéisso?
Se eu recorrer ao salário mínimo, talvez ajude. Quando as instituições (públicas e privadas) calculam qual deve ser o valor do salário mínimo, não levam em consideração apenas a manutenção do trabalhador. É imprescindível manter também o seu grupo familiar. É aí que nascem e se criam os filhos que, no futuro, vão substituir pais e mães no mercado de trabalho. Formal e informal. Em sociedades míticas e muito desiguais como a brasileira, o salário mínimo não cobre nem a despesa do trabalhador(a) chefe de família. Em outras palavras, ao pagar abaixo do valor real, o capital não paga a reprodução dos trabalhadores de que tanto necessita. Então? Se o capital não paga, quem é que paga? Fácil: é a nossa heroína do dia.
Tomo como exemplo as mulheres marisqueiras. Engana-se quem pensa que a sua função é só produzir alimentos (mariscos) para serem vendidos no mercado. Quem conhece a sua realidade observa que elas se deslocam em grupos de três gerações: avós, mães e filhas. Eventualmente, quatro. Vão cada vez mais longe, por causa da poluição e da super exploração desses recursos naturais. A sua principal queixa é a dificuldade de transporte. Metade da sua produção é usada para pagar os canoeiros e barqueiros que as conduzem até os pontos. Historicamente, esses grupos de mulheres vêm reproduzindo coletores de carnaúba, rendeiras, catadores de caranguejos, oleiros, marisqueiras, canoeiros, estivadores, balconistas e até operários de fábricas. Como essa reprodução se faz de graça para o capital (porque o salário mínimo não é suficiente), alguns analistas da sociedade chamam esse processo de “acumulação primitiva”, “pré-capitalista” ou até mesmo de “acumulação capitalista”.
Polêmicas à parte (não cabem nesta crônica), convido os parnaibanos a fazerem uma leitura de paisagem. Se não puderem ir até os pontos de mariscagem, percorram bairros da periferia e observem quem reproduz os futuros trabalhadores e trabalhadoras: as avós. Marisqueiras ou não, as avós mais sortudas, por terem aposentadoria, embalam seus netos e netas no colo. Eventualmente veem-se também meninas de 12 ou 13 anos de idade passeando com seus bebês. Por terem perdido a primeira infância, brincam de bonecas reais, com seus filhos de mães precoces. O turismo sexual alimenta esse fenômeno, principalmente na “rota das infecções”.
Assim, presto homenagem a essas “heroínas da independência” – independência que nunca ocorreu como fato histórico que mereça ser levado a sério.