PARNAÍBA, TERRA DE HERÓIS IV
Vitor de Athayde Couto
Parabéns à Parnaíba, pelo seu aniversário!
No Caranguejo Express, onde eu encontro a melhor torta de caranguejo do mundo!!! (discupaê, mas preciso gastar meu estoque de pontos de exclamação que acumulo no grupo, cada vez que uma tia escreve “bom dia!!!” aff…). Onde eu estava mesmo? Ah, sim. Havia um casal de jovens turistas alemães sentados à mesa do restaurante, tentando conversar, sem ter que gritar.
Aquilo me despertou tanta curiosidade, que eu precisava fazer uma pergunta a eles. O problema é que, além de ser muito tímido, não costumo falar com quem não conheço. Pra complicar mais ainda, eu teria que me deslocar por aquele calçadão, dito cultural – algo que nunca entendi. Calçadão, tudo bem. Mas, cultural, por quê? Havia um som ao vivo, muito alto, que os garçons chamam de música. E, o que é pior, a depender do point, você ainda tem que pagar por aquilo. Ainda bem que isso só acontece nas noites de azar. Numa noite de sorte, os clientes podem ouvir um repertório minimamente civilizado, tocado por quem sabe, até o momento em que um bêbado grita pedindo sertanejo universitário. Sertanejo, tudo bem, mas, universitário, por quê?
Tento convencer meus amigos que não é preconceito. É só porque me faz mal ao coração, ao fígado, à unha encravada no dedão do pé direito… mas eles não acreditam. Juram que é preconceito, mesmo. Aí eu me calo, para não ser processado.
Voltando outra vez ao jovem casal alemão, apresentei-me e perguntei quem deu a dica para eles irem até aquele restaurante e pedir justamente o seu prato carro-chefe, a torta de caranguejo. A resposta que eu esperava era de alguma dica de agência de turismo, taxista ou recepcionista de hotel.
Sem falar nada, mas sorrindo simpáticos, eles abriram uma mochila de onde tiraram e me apresentaram o “guia do mochileiro alemão”, que é considerado o melhor do mundo, que nem a torta de caranguejo. O Caranguejo Express estava lá no guia. Pedi para eles me indicarem outros restaurantes parnaibanos registrados no guia. Resposta: o restaurante do Hotel Cívico. Nada mais. Daí, eles gentilmente leram um resumo sobre a gastronomia de Parnaíba, onde a única referência era o caranguejo-uçá. Aproveitando a minha presença, perguntaram o que significavam aqueles dois toris nas extremidades do calçadão. Sem querer revelar que, por trás desses portais de interior e daqueles arcos na entrada das cidades, onde se lê “bem-vindo à Lagoa do Boi”, etc., existem empresas especializadas em tungar uma fração dos orçamentos municipais de cidades que não têm sequer um sistema de saneamento, nem mesmo placas designando o nome das ruas, inventei a seguinte história:
– Antes do descobrimento, viviam nas Américas e no Caribe uns povos nativos. Eles intrigavam por sua aparência física de orientais. Por isso foram chamados de índios, pelos europeus ibéricos.
– Mas não é por que eles pensavam que tinham chegado às Índias?
– Sim, pra quem acredita nos livros didáticos – respondi, e continuei.
– Então… para homenagear os nossos índios, que têm olhos orientalizados, como os japoneses, construíram esses dois toris.
Haha, ri em silêncio, sempre pensando como eu não presto. Mas explico: é que eu tenho vergonha de contar a verdade, e acabo viajando na ficção. Depois, acabo descobrindo que a minha imaginação não consegue chegar nem perto do que acontece no sanatório geral da realidade brasileira. Tive pena quando eles disseram:
– Ah, sim. Estivemos em São Paulo e vimos isso na entrada do bairro da Liberdade. É porque lá também tem muitos índios, não é mesmo?
– Sim, o bairro é cheio de índios tão brabos que comem até peixe cru, sentados no chão daqueles botecos, igual na aldeia.
Já deu pra ver que sou obrigado a concordar com tudo. Hoje em dia não discuto mais com ninguém, nem mesmo com alemães. Como não gravei o nome do casal, o leitor pode escolher entre Hans & Hanna, ou Fritz & Frida. É pouco provável que algum alemão se chame Addrielly Victtórya ou Dyjalnneydisson Ricchárde. Tenho certeza de que, com o tempo, todo mundo vai achar que os nomes alemães são mais simples de se pronunciar e escrever.
Admirando a parede decorada do restaurante, Hans (ou seria Fritz?) perguntou qual o tamanho real do caranguejo-uçá, se era capturado ou criado em cativeiro, etc.
Respondi o que sabia, dessa vez sem inventar demais, e lembrei de outros heróis parnaibanos – os catadores e catadoras de caranguejos, objeto desta crônica, e tão bem ilustrados pelo arequipense Percy Lau, para o IBGE.
Esses heróis são tão invisíveis que, depois de muitas garrafas de cerveja, os clientes devem pensar que os caranguejos vêm andando sozinhos, em grupos de quatro, até a porta da cozinha dos restaurantes. E já chegam catados, sem nenhuma casquinha.
Isso faz lembrar aquela história do marido que disse à mulher que ia acolá, comprar uns caranguejos. Era sexta-feira e…