A disciplina Teoria Geral do Processo, ministrada ainda nos primeiros semestres da faculdade de Direito, dentre outras finalidades, visa proporcionar uma visão metodológica unitária do Direito Processual, fornecendo os conceitos mais gerais e aplicáveis a esta ciência.
Dentre os vários temas estudados nesta disciplina, destaco, para os fins a quem me proponho neste modesto artigo, os conceitos de jurisdição e coisa julgada.
Sobre jurisdição, no dizer de José de Albuquerque Rocha, “é, justamente, a função estatal que tem a finalidade de garantir a eficácia dos direitos em última instância no caso concreto”.
A coisa julgada, para Humberto Theodoro Junior, apresenta-se como uma qualidade da sentença, “representada pela ‘imutabilidade’ do julgado e de seus efeitos, depois que não seja mais possível impugná-los por meio de recurso”.
Com base nestes conceitos, resta claro que a jurisdição garante a eficácia dos direitos em última instância, justamente porque as decisões judiciais tornam-se imutáveis, através da manifestação da coisa julgada.
Para José de Albuquerque a função tutelar da jurisdição, em última instância, resulta muito clara da própria posição constitucional, por que se “nenhuma lesão ou ameaça ao direito pode ser subtraída à apreciação do judiciário, isto significa que a finalidade desta função é, precisamente, tutelar os direitos em última instância”.
Em outras palavras, na hipótese de lesão ou ameaça ao direito, o Judiciário, quando provocado, terá a função de dizer a última palavra em torno daquele conflito. Sua decisão torna-se definitiva e insuscetível de modificação.
É, pois, tradição, a imutabilidade das decisões do Judiciário. No entanto, no último dia 24 de Abril foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados a PEC N. 33/2011, que “altera a quantidade mínima de votos de membros de tribunais para declaração de inconstitucionalidade de leis, condiciona o efeito vinculante de súmulas aprovadas pelo Supremo Tribunal Federal à aprovação pelo Poder Legislativo e submete ao Congresso Nacional a decisão sobre a inconstitucionalidade de Emendas à Constituição”.
A repercussão foi grande. A imprensa chegou noticiar a existência de tensão entre o Judiciário e o Congresso Nacional. De fato, é uma proposta polêmica e merece ser debatida sob o aspecto jurídico e com profissionalismo, até para não fomentar conflito de natureza meramente política.
A discussão que condiciona o efeito vinculante de súmulas aprovadas pelo STF perpassa pela interpretação do art. 103 da CF/88 à luz dos princípios democráticos e de alguns predicados convenientes às normas jurídicas. Esta súmula tem características de enunciado prescritivo, de caráter geral e abstrato, posto que obriga a todos os demais órgãos do Poder Judiciário e da administração pública, enfim, em sentido mais amplo, a todas as pessoas, que, certamente, para evitar conflitos e/ou prejuízos deverão segui-las.
Ora, considerando que na edição da Súmula Vinculante o STF tem competência normativa, de prescrever normas de caráter genérico e abstrato, não vejo absurdo algum na proposta de condicionar o efeito vinculante (e tão somente o efeito vinculante!) destas Súmulas à aprovação do Congresso Nacional, posto que, de regra, cabe ao legislativo o papel preponderante de criação de normas gerais e abstratas. O debate em torno da matéria, portanto, faz parte da democracia e o melhor resultado deverá ser encontrado com base no diálogo racional e visando sempre a harmonia entre os Poderes.
Quanto a submeter ao Congresso Nacional a decisão do STF sobre a inconstitucionalidade de Emendas à Constituição, entendo que dita proposta fere frontalmente a cláusula pétrea do princípio da separação dos poderes, viola o instituto da coisa julgada, contraria o princípio democrático e os demais princípios inerentes à Jurisdição. Nesse particular, a rejeição imediata da proposta seria a medida mais adequada, visto que não se pode admitir, nem por hipótese, a submissão do Judiciário a outro órgão, em qualquer que seja o caso.
Somente o Judiciário exerce, e deve sempre exercer, a função de concreção terminal do direito, posto que a ele está reservado o exercício da jurisdição, como poder de dizer o direito em última instância. Retirar dele essa prerrogativa, ainda que em uma só situação, é violar o princípio da independência dos poderes, provocar insegurança jurídica, enfraquecer a democracia e abrir um perigoso precedente de ameaça à ordem jurídica constitucional. Esta indevida tentativa de alteração do artigo 102 da CF/88 justifica, portanto, o epíteto divulgado na imprensa e que qualificou essa proposta de emenda constitucional como a “PEC DA SUBMISSÃO”.
A outra proposta contida na PEC 33, de alterar a quantidade mínima de votos de membros do STF para declaração de inconstitucionalidade de leis ou do ato normativo do poder público, também deve ser rejeitada, por contribuir para o enfraquecimento do STF, na medida em que busca dificultar a tomada de decisões, restringindo, assim, a sua atuação. Não se pode esquecer que a consolidação da democracia depende de um Judiciário forte e independente, sem qualquer ingerência de outros poderes no exercício da função jurisdicional.