No Piauí para cada mil crianças e adolescentes 0,3 crianças e adolescentes estão cumprindo medidas socioeducativas de privação de liberdade, divulgou na terça-feira, como um dos resultados da nota técnica “O Adolescente em Conflito com a Lei e o Debate sobre a Redução da Maioridade Penal”, o Instituto de Pesquisa Econômico Aplicada (Ipea).
A pesquisa foi apresentada na manhã de terça-feira na sede do Ipea, em Brasília, por suas autoras, pesquisadoras da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc) Enid Rocha Andrade Silva e Raissa Menezes de Oliveira.
Segundo elas, o estudo vem contribuir com as discussões que ocorrem em torno da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171/1993 – que propõe a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos -, e aponta o mito da impunidade aos adolescentes.
Enid Rocha Andrade Silva e Raissa Menezes de Oliveira afirmaram que quando se compara o número de adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas de privação de liberdade para cada 1.000 adolescentes no país, é outra forma de comparar as regiões que são mais severas em relação aos adolescentes em conflito com a lei.
Os cinco Estados da federação com maior número de adolescentes privados de liberdade são São Paulo, que para cada 1.000 adolescentes existem três adolescentes privados; no Acre, para cada 1.000, existem 2,6; no Espírito Santo são 2,3 por 1.000; no Distrito Federal, 2 por 1.000 e no Rio de Janeiro, 1,9 por 1.000.
Em relação às regiões e o número de crianças e adolescentes pagando pena de privação de liberdade, a maior concentração é na região Sudeste, com 38,7%, seguida pela região Nordeste, com 30,4%. Posteriormente seguem as regiões Sul, com 13,3%; a Norte (10,2%) e a Centro-Oeste (7,4%).
As infrações contra o patrimônio e o tráfico de drogas constituíram-se nos principais delitos praticados pelos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de privação de liberdade no Brasil nos últimos três anos. Em 2011, roubo (38,12%), furto (5,6%) e tráfico (26,56%) representaram, juntos, mais de 70% do total de delitos praticados pelos adolescentes detidos.
Em 2012, esses atos infracionais alcançaram, aproximadamente 70% e, 2013, cerca de 67%. Por sua vez, os atos considerados graves, como homicídios (8,39%), latrocínio (1,95%), lesão corporal (1,3%) e estupro (1,05%) alcançaram, em 2011, 11,7% do total dos delitos praticados pelos adolescentes detidos no Brasil. Em 2012, esses atos representaram 13,5% e, em 2013, 12,7%.
A pesquisa revela que os motivos mais recorrentes que geraram a aplicação das medidas de restrição e privação de liberdade em cada região. Em todas as regiões, mais da metade das medidas é aplicada por atos referentes a roubo, furto e tráfico de drogas, principalmente nas regiões Sudeste (81%) e Centro-Oeste (64%). Norte e Centro-Oeste chamaram atenção por terem mais da metade dos adolescentes cumprindo medida em meio fechado por atos como roubo e furto, ao mesmo tempo em que possuíam as menores porcentagens de atos relativos ao tráfico de drogas.
A região Sul possuía 20% dos seus adolescentes em medidas de privação e restrição de liberdade por motivo de homicídio e latrocínio, a região com maior porcentagem desse delito.
“Isso pode indicar uma preferência de aplicação de medidas mais severas para as infrações mais graves. Nota-se que o Nordeste possuía o maior número absoluto de adolescentes cumprindo medidas por infrações referentes a homicídio e latrocínio, afirmam as pesquisadoras Enid Rocha Andrade Silva e Raissa Menezes de Oliveira.
A pesquisa traz um recorte de quem são esses adolescentes que estão em conflito com a lei cumprindo pena com restrição de liberdade. Em 2013, 95% eram do sexo masculino e 60% deles tinham idade entre 16 e 18 anos. Dados de 2003 indicam que mais de 60% dos adolescentes cumprindo pena nesse ano eram negros, 51% não frequentavam a escola e 49% não trabalhavam quando cometeram o delito. 66% deles viviam em famílias consideradas extremamente pobres.
Nos últimos três anos, roubo, furto e envolvimento com o tráfico de drogas foram as infrações mais comuns praticadas pelos adolescentes. Em 2013, cerca de 40% deles respondiam pela infração de roubo, 3,4% por furto e 23,5% por tráfico. Já os delitos graves, como homicídio, correspondiam a 8,75%; latrocínio – roubo seguido de morte – 1,9%, lesão corporal 0,9% e estupro 1,1%. Entre os estados brasileiros com maior número de adolescentes privados de liberdade, em 2012, estão São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco e Ceará.
Existiam um total de 23, 1 mil adolescentes privados de liberdade no Brasil, em 2013. Desses, 64% (15,2 mil) cumpriam a medida de internação, a mais severa de todas. Segundo as autoras, isso indica que a aplicação das medidas não correspondem com a gravidade dos atos cometidos.
As pesquisadoras mostraram que as medidas socioeducativas em meio aberto – Liberdade Assistida e Prestação de Serviço para a Comunidade – são possibilidades reais de ressocialização dos adolescentes em conflito com a lei, com acompanhamento de profissionais sem romper o vínculo com a comunidade. E defenderam que, para combater a violência e a criminalidade, seria necessária “a promoção dos direitos fundamentais, como o direito à vida e dos direitos sociais preconizados na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente, de educação, profissionalização, saúde, esporte, cultura, lazer, e viver em família”.
Segundo as pesquisadoras, as informações sobre a situação de escola, trabalho e vitimização analisadas evidenciaram que o caminho para combater a violência e a criminalidade entre os jovens deveria ser a promoção dos direitos fundamentais, como o direito à vida, e dos direitos sociais preconizados na Constituição e no ECA, de educação, profissionalização, saúde, esporte, cultura, lazer, e viver em família.
“Entretanto, o grave problema da situação de desproteção social em que se encontra parcela expressiva dos adolescentes brasileiros fica secundarizado diante da prioridade concedida pelo Congresso Nacional, que colocou em pauta a tramitação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 171/1993), que prevê a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Neste sentido, a existência de deficiências e barreiras de acesso dos jovens pobres à educação e ao trabalho – os dois principais mecanismos, considerados lícitos, de mobilidade e inclusão social da nossa sociedade – bem como às estruturas de oportunidades disponíveis nos campos da saúde, lazer e cultura, contribuem para o agravamento da sua situação de vulnerabilidade social. Sem escola, sem trabalho ou com inserção laboral precária, os jovens ficam mais desprotegidos e, consequentemente,mais expostos, por exemplo, à cooptação pelo crime organizado.
A pesquisa mostra que a grande maioria dos delitos cometidos por adolescentes são o roubo e o tráfico de drogas e não atos contra a vida que justificariam medidas mais severas de privação de liberdade por longos períodos.
Fonte: Meio Norte