Religiões no Brasil 3: AXÉ

 

Vitor de Athayde Couto

 

“Se existe religião, a minha é a música”

(Hermeto Pascoal)

 

Toc, toc, toc.

– Quem é? – pergunta dona Valdete, mãe de Ifé.

– Deixa, mãe. Eu atendo. É Vanessa Victória, uma colega do doutorado.

– Mas é tão cedo – admirou-se dona Valdete.

– Tudo bem, mãe, eu já estava esperando. Combinamos para tomar café antes dos estudos.

Ifé dirige-se à porta:

– Bom dia, Vanessa, entre!

– Bom dia – responde Vanessa Victória, que vai logo entrando e já começa a olhar tudo em volta; pergunta onde está a casa dos santos.

– Calma, colega. Primeiro, vamos tomar nosso café, fiz cuscuz…

– Não se incomode, amiga. Obrigada, já tomei café. É que estou sem tempo e queria ver logo os santos, fazer meu pedido…

Quando estão em casa, Ifé e sua mãe costumam andar descalças. Antes de entrarem no Peji, Ifé pediu para Vanessa tirar os sapatos de salto alto, que ela usa habitualmente. Vanessa resistiu:

– Mas o chão está todo molhado!

– É que tem chovido muito esses dias…

– Então, tá, eu não vou entrar, olho daqui mesmo da porta.

A luz da vela de sete dias não era suficiente para Vanessa distinguir os santos. Tirou o celular da bolsa, ligou a lanterna e fez a luz circular, iluminando todos os santos e objetos. Em dado momento, fixou a luz sobre uma imagem feita de ferro, e perguntou:

– Quem é aquele?

– Aquele é Exu, o mensageiro que abre os caminhos…

– Ahn… Tá bom, amiga, preciso ir – disse Vanessa, sem cumprimentar nem se despedir dos orixás.

– E o seu pedido?

– Já fiz. Pode deixar, até mais tarde.

– Até.

Ifé quis saudar Vanessa Victória com um axé, mas estranhou o comportamento da colega que parecia ansiosa, assustada… Foi até a porta e deu tchau. Retornou à cozinha para tomar café com cuscuz de tapioca e coco ralado, feito especialmente para a “amiga”. Mas não sem antes oferecer, para Oxalá, um pedaço do cuscuz branco, num pequeno agdá. Era sexta-feira.

Como acontece todo fim de semana, Ifé viaja, visita templos religiosos, os mais diversos, com agendamento prévio. Ela prevê concluir sua pesquisa de campo até o final das férias.

Os dados secundários do censo preliminar surpreenderam tanto Ifé, que ela está aguardando a divulgação do censo definitivo, para confirmação. Por exemplo, a maior proporção de umbandistas e candomblecistas foi registrada nas regiões Sul e Sudeste. O Estado do Rio Grande do Sul continua ocupando o primeiro lugar. Quanto aos evangélicos, a maior proporção foi registrada no Acre, e a menor, no Piauí. Tudo isso precisa ser confirmado.

No Brasil, a literatura pouco trata da multirreligiosidade e sua relação com os sincretismos. Nas redes sociais, as opiniões são tão divergentes… aumentam ainda mais a confusão, sobretudo entre seguidores de religiões que não têm uma coordenação única e centralizada. Com base em leituras e nas entrevistas realizadas durante as visitas de campo, Ifé já percebe algumas diferenças entre multirreligiosidade e sincretismo religioso.

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