O revisor do processo do mensalão, ministro Ricardo Lewandowski, votou nesta quinta-feira (4) pela absolvição do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu do crime de corrupção ativa (oferecer vantagem indevida) durante julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF).
“Não existem elementos suficientes para condenar o réu José Dirceu”, afirmou o ministro na conclusão do voto.
Segundo Lewandowski, o Ministério Público não conseguiu provar que Dirceu comandou o esquema de pagamento de propina a parlamentares em troca de apoio ao governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O revisor afirmou ainda que as acusações ao ex-ministro “são mais políticas do que só estritamente jurídicas”.
Com a manifestação sobre Dirceu, Lewandowski concluiu o voto sobre os dez réus acusados de corromper parlamentares de quatro partidos – PP, PMDB, PTB e o extinto PL (atual PR). Ele votou pela condenação de cinco e pela absolvição de outros cinco, entre eles Dirceu e o ex-presidente do PT José Genoino.
O relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, que votou pela condenação de Dirceu e Genoino, disse na quarta que o ex-ministro era o “mandante” da compra de votos.
Ainda faltam os votos de oito ministros. Para que um réu seja condenado ou inocentado, são necessários os votos de ao menos seis magistrados – veja como votou cada ministro e o que diz a acusação e a defesa sobre cada réu.
‘Suposições’
O revisor destacou que o Ministério Público apresentou “suposições” em relação a Dirceu na denúncia. “[Não se deu ao] trabalho de descrever ainda que minimamente as condutas delituosas que teriam sido praticadas por ele. Restringiu-se a fazer meras suposições”, disse Lewandowski.
Logo no começo da argumentação, o ministro afirmou que provas testemunhais são “torrenciais, avassaladoras” no sentido de desvincular Dirceu de eventuais ações ilícitas praticadas pelo comando do PT.
Ao proferir o voto, Lewandowski afirmou não descartar “em tese” que o ex-ministro tenha comandado o mensalão, mas destacou que as provas contra o ex-ministro se baseiam em “ilações”. “Não afasto a possibilidade, em tese, de ele ter participado desses eventos. [Mas] tudo se baseia em ouvir dizer, ilações.”
Para o ministro-revisor, as acusações da Procuradoria-Geral da República não têm “ressonância nos autos”. “Não há prova documental, não há prova pericial. O que existem são testemunhos, alguns colhidos na CPI, alguns colhidos na Polícia Federal, muitos deles desmentidos diante de um magistrado”, afirmou.
Tese da compra de votos
O revisor contrariou argumentos de vários ministros que já manifestaram em plenário que as provas mostram que existiu um esquema de compra de votos no Congresso.
Lewandowski citou estudos, um deles feito pela CPI que investigou o mensalão, que apontam que o comportamento da base aliada do governo Lula era “uniforme” e com índice alto de fidelidade.
Para Lewandowski, há provas que contradizem a afirmação de que saques de altas somas por partidos da base aliada ocorreram na mesma época da aprovação de projetos de interesse do governo.
“Essa tese de que houve compra de votos e coincidência de saques é tese. contraditada com outras provas que também se encontram nos autos. Não estou dizendo que não tenha havido compra de votos, estou dizendo que há provas para todos os gostos.”
O revisor afirmou que se o plenário decidir que houve a compra de parlamentares para aprovar as reformas tributária e previdenciária, as duas leis poderão vir a se declaradas nulas pelo Judiciário.
“Se este plenário decidir que houve fraude na reforma tributária e reforma previdenciária, a consciência dos parlamentares foi comprada. Aí cabe a nulidade. É uma afirmação muito séria”, disse.
Ao proferir o voto, Lewandowski criticou a chamada “teoria do domínio dos fatos”, segundo a qual pode ser condenado quem não tenha executado diretamente o ato criminoso, mas tenha tido “domínio” sobre o fato. A tese foi utilizada no passado para justificar a condenação de generais nazistas.
“Não há nenhuma razão para se aplicar a teoria do domínio do fato. Não estamos em situação excepcional, não estamos em guerra, não estamos em situação de convulsão intestina”, argumentou o revisor ao absolver Dirceu.
Atuação de Delúbio
O revisor afirmou que a Procuradoria não provou que o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares agia a mando de Dirceu. “O Ministério Público não logrou produzir prova nenhuma sobre suposta relação entre José Dirceu e Delúbio Soares, o qual agia com total independência no que toca as finanças do partido.”
De acordo com o revisor, José Dirceu quase não participava de reuniões do PT e sobre negociações para a aprovação de projetos de lei. Ele citou depoimentos de petistas que disseram que o ex-ministro teve participação “absolutamente ocasional” em encontros do partido.
“Esses depoimentos comprovam que José Dirceu não exercia qualquer função seja da direção, seja dos negócios. Estou tentando comprovar que José Dirceu está completamente desvinculado do Partido dos Trabalhadores”, afirmou.
Lewandowski foi questionado pelo Ministro Marco Aurélio sobre se acredita que o ex-tesoureiro do PT teria “autonomia” para corromper parlamentares sem ordens superiores.
“Contrariamente do que foi dito, eu não acredito em Papai Noel. Isso pode ter ocorrido a mando de alguém. Mas eu não estou encontrando provas”, respondeu o revisor.
Operador e delator do esquema
Lewandowsli classificou de “aventureiro” Marcos Valério, acusado pela Procuradoria de ser o operador do esquema de compra de votos. O revisor destacou que Valério se apresentava como “influente no PT” e emissário de Dirceu.
“Marcos Valério era um aventureiro, um homem que buscava negócios vultosos, alardeava que tinha influência, talvez tivesse alguma, perante o governo, mas são ilações.”
Durante a apresentação do voto, Lewandowski procurou desqualificar o depoimento do delator do esquema, o ex-deputado e presidente do PTB Roberto Jefferson, já condenado por corrupção passiva [receber vantagem indevida].
De acordo com o revisor, Jefferson é “inimigo” de Dirceu. “Esse réu é um inimigo fidagal de José Dirceu e procurou incriminá-lo e trazê-lo ao bojo dos fatos.”
O julgamento
Dez pessoas da antiga cúpula do PT e do grupo de Marcos Valério foram acusadas de corrupção ativa. Segundo a denúncia, os réus deram dinheiro a parlamentares para comprar o apoio político de deputados ao governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Câmara.
Políticos e assessores que receberam dinheiro do esquema já foram condenados por corrupção passiva (receber vantagem indevida).
Segundo a denúncia, Dirceu, Genoino e Delúbio se associaram ao grupo de Valério, apontado como o operador do mensalão, para desviar dinheiro de contratos públicos e contrair empréstimos fraudulentos, com a finalidade de ampliar a base aliada de Lula.
A pena para o crime de corrupção ativa varia de 2 a 12 anos de prisão. A dosimetria (tamanho) da pena será definida pela corte ao término do julgamento dos 37 réus.
Ao todo, 22 dos 37 réus do processo do mensalão já sofreram condenações na análise de quatro tópicos da denúncia: desvio de recursos públicos, gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro e corrupção entre partidos da base. Ainda falta julgar lavagem de dinheiro por parte do PT, evasão de divisas e formação de quadrilha.
Até agora, foram inocentados quatro réus: o ex-ministro Luiz Gushiken, o ex-assessor do extinto PL Antônio Lamas, ambos a pedido do Ministério Público, além da ex-funcionária de Valério Geiza Dias e da ex-diretora do Banco Rural Ayanna Tenório, que ainda serão julgadas por outros crimes
Fonte: G1