Violência nas escolas brasileiras cresce em ritmo alarmante e escancara falhas estruturais
Nos últimos dez anos, o ambiente escolar no Brasil tem se tornado cada vez mais vulnerável a diferentes formas de violência. Dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) revelam que os casos de agressões interpessoais registradas em instituições de ensino saltaram de 3,7 mil, em 2013, para 13,1 mil em 2023. Estudantes, professores e demais membros da comunidade escolar estão entre as vítimas, num cenário que aponta para uma grave crise dentro das escolas.
Entre os fatores que impulsionam esse crescimento estão a disseminação de discursos de ódio, a desvalorização dos profissionais da educação e a ausência de políticas públicas efetivas no enfrentamento à intolerância. A combinação desses elementos tem transformado o ambiente escolar em um espaço cada vez mais hostil e inseguro.
Outro dado preocupante diz respeito ao aumento da violência autoprovocada — comportamentos como automutilação, ideação suicida e tentativas de suicídio. Em dez anos, esse tipo de ocorrência aumentou 95 vezes, revelando o sofrimento silencioso de milhares de estudantes brasileiros.
O Ministério da Educação classifica a violência escolar em quatro grandes tipos: ataques premeditados, violência interpessoal, bullying e violência institucional. Esta última ocorre quando a própria escola, por meio de práticas pedagógicas ou da ausência de representatividade, contribui para a exclusão de certos grupos — como no uso de materiais que ignoram ou distorcem questões relacionadas à diversidade racial e de gênero.
Levantamento recente do Atlas da Violência 2024, com base em dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), mostra que o percentual de alunos que relataram sofrer bullying aumentou de 30,9%, em 2009, para 40,5% em 2019. Também cresceu o número de estudantes que deixaram de frequentar a escola por medo: de 5,4% em 2009 para 11,4% em 2019.
A violência familiar também exerce forte influência no comportamento dos alunos. Em 2009, 9,5% dos estudantes relataram ter sofrido agressões dentro de casa nos 30 dias anteriores à pesquisa. Já em 2019, esse número subiu para 16,1%. Muitos jovens acabam reproduzindo na escola as violências que vivenciam no ambiente doméstico, como forma de defesa ou tentativa de afirmação.
O problema, no entanto, vai além do comportamento individual. Ele está enraizado na estrutura educacional. A desvalorização do magistério, a descontinuidade das políticas públicas e a precarização das condições de ensino contribuem diretamente para tornar as escolas espaços de tensão. Além disso, o não cumprimento de leis que exigem o ensino da história da África e dos povos indígenas nas escolas colabora para a perpetuação de estigmas e desigualdades.
Dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) revelam um abismo entre a percepção dos estudantes e a dos gestores escolares. Enquanto uma parcela significativa dos alunos relata vivências frequentes de violência, cerca de 40% das escolas afirmam não registrar nenhum tipo de ocorrência. Esse distanciamento evidencia a dificuldade dos adolescentes em relatar agressões e a necessidade urgente de escuta ativa nas instituições de ensino.
Outro ponto de atenção é o uso inadequado do termo bullying, que muitas vezes serve para encobrir episódios de racismo, machismo ou homofobia. A mediação entre agressor e vítima pode até amenizar conflitos pontuais, mas, sem o debate estruturado sobre as causas desses confrontos, o ciclo da violência tende a se repetir.
A falta de preparo das redes de ensino para lidar com questões ligadas a preconceitos estruturais e a ausência de políticas integradas de acolhimento tornam o ambiente escolar ainda mais vulnerável. Os números e análises deixam claro que não se trata de casos isolados, mas de um fenômeno complexo e multifatorial.
Desde 2001, ao menos 47 pessoas perderam a vida em ataques letais ocorridos dentro de escolas brasileiras. Esses episódios não são apenas estatísticas — representam o fracasso coletivo em garantir um direito básico: a segurança e a dignidade de todos que fazem parte da vida escolar.