Zeca Moraes
Vai boiadeiro que o dia já vem, leva o teu gado e vai pensando no teu bem.
O sol faz fundir o couro de gado do gibão com a pele do vaqueiro. No meio do carrasco nasce a flor do mandacaru como num paralelo entre a beleza e a rigidez do sertão. Em meio ao tremular do horizonte ao pôr-do-sol ele sobrevive: o vaqueiro.
Do terraço de mosaico do seu casarão rosado, junto a sua companheira, o vaqueiro observa sua boiada. São filhos, genros, noras e netos, “e não têm outros mais bonitos no lugar”. Num entra e sai diário e espaçado cada um toma seu lugar no cotidiano do vaqueiro. Todos querem beber um pouco dessa fonte, buscar experiência e equilíbrio. São poucas as palavras, mas profundas, refletem as marcas do corpo de quem já passou por todas as situações de cabeça erguida e deu exemplo, trabalhou duro e conquistou o respeito de todos. Rápido no gatilho, o vaqueiro é dono de um humor refinado, sempre com uma resposta certeira na ponta da língua. Muitas vezes, nas questões mais difíceis, quando é indagado por uma de suas crias sobre um conselho para uma dificuldade, o vaqueiro respira fundo e com um olhar meio baixo, como se estivesse revirando o passado em sua mente, pensando nas situações semelhantes que viveu, e sem titubeio, solta sua profecia, que não custa a se concretizar. Quem ouve com atenção se beneficia, quem desvia do caminho se perde da boiada, mas como um bom vaqueiro, este sempre vai em busca da cria desgarrada e reagrupa o rebanho. Educar uma cria é difícil, mas educar todo um rebanho sem deixar que nenhum se perca é missão que apenas poucos conseguem cumprir. Assim o vaqueiro vai tocando sua boiada, com muito trabalho, dignidade e disciplina, com fé em Deus e até quando ele permitir.
Vai boiadeiro que a noite já vem, guarda o teu gado e vai pra junto do teu bem.
Por Rafael Correia