Caxingó, localizada no litoral do Piauí, é a 2ª cidade do estado com o pior índice de desenvolvimento humano municipal (IDHM) e uma das 32 com o pior resultado no país. Apesar disso, foi uma das seis cidades brasileiras com IDH classificado como “muito baixo” que não aderiram ao programa Mais Médicos do governo federal, segundo cruzamento de dados feito pelo G1.
A prefeitura alega que trazer mais médicos custaria “caro” para as finanças do município. Além disso, diz que não há carência de profissionais, mas falta de estrutura e equipamentos para o atendimento na atenção básica.
A cidade, castigada em 2012 pela pior seca dos últimos 40 anos no Piauí, conta atualmente com quatro médicos e três Unidades Básicas de Saúde (UBS), duas delas localizadas na zona rural.
Cada equipe do Programa Saúde da Família (PSF) é composta por um médico da família, um enfermeiro, um técnico em enfermagem e três agentes comunitários de saúde, profissionais que se revezam no atendimento domiciliar e nas unidades.
Os profissionais atuam de segunda a sexta no Centro de Saúde Clarindo Rodrigues de Carvalho, unidade que fica localizada na zona urbana. Um dentista também presta atendimento durante toda a semana.
Os médicos também trabalham em outras cidades próximas, cerca de 100 km de distância. Buriti dos Lopes, Cocal e Parnaíba são chamados “polos” de saúde e atendem a população de diversos municípios vizinhos.
Falta de estrutura
O G1 encontrou condições precárias de atendimento em algumas das unidades de saúde de Caxingó. Nenhuma delas conta com leitos para internação, e os casos de média e alta complexidade são transferidos para o Hospital Regional Dirceu Arcoverde, em Parnaíba, apoio para outras dez cidades.
Não há aparelhos para exames como eletrocardiograma, raio-X e ultrassonografias. Como exige enfrentar a fila de Parnaíba, a espera pode durar até três meses, segundo o secretário de Saúde de Caxingó, Antonio Bruno Fontinele.
Atualmente, apenas uma ambulância atende a população, já que a outra está sucateada. A prefeitura conta com dois veículos menores que auxiliam no transporte de pacientes.
“[Para aderir ao Mais Médicos] nós teríamos que arcar com despesas de alimentação, hospedagem e deslocamento para manter esse profissional e não temos de onde tirar. Já gastamos além dos 15% destinados à saúde para dar conta das equipes e unidades de atendimento que temos na cidade”, afirma a prefeita Rita Sobrinho (PT).
Segundo ela, Caxingó não tem arrecadação e conta apenas com o repasse médio de R$ 200 mil do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). O gasto com a saúde é responsável por quase 18% da despesa total da cidade.
Conforme o secretário de Saúde, a adesão ao Mais Médicos tiraria as verbas do Programa Saúde da Família. “O governo está dando com uma mão e tirando com as duas. Quando optamos pelo Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (Provab), a história era a mesma, de que o médico viria com uma bolsa paga pelo governo federal. Mas foram descontados R$ 8 mil dos recursos da prefeitura”, explicou.
“Nossa cidade é uma cidade sem arrecadação. Perderíamos recurso”, afirma o secretário. “A gente acha um contrassenso. O governo pensa que é só colocar médico. Pegamos unidades completamente sucateadas. Não tinha nem balança. O problema não é médico. Não tem a infraestrutura”, reclamou.
O Ministério da Saúde diz que “além de pagar diretamente pelo médico, ainda repassa mais R$ 4 mil para o município compor a equipe de saúde da família”. A pasta afirma que o programa prevê “pagamento da bolsa diretamente ao médico, no valor de R$ 10 mil. Antes, os municípios que tinham que contratar os médicos diretamente e arcar com esse custo. Agora, esse custo será federal e os municípios ficam a cargo de alimentação e moradia desses profissionais.”
Especificamente no Piauí, diz o ministério, foram investidos R$ 67,7 milhões para obras em 507 unidades de saúde e R$ 18 milhões para compra de equipamentos para 98 unidades. “Também foram aplicados R$ 26,3 milhões para construção de 12 UPAs e R$ 93,7 milhões para reforma/construção de 10 hospitais”, afirma a pasta em nota.
Wilson Cabral, um dos médicos que trabalha em Caxingó, considera a concepção do programa Mais Médicos “falha”. “Não somos contra o programa, mas os novos profissionais estão sendo prestigiados, quando não há estímulo e respeito aos médicos com uma experiência já consolidada. O que não podemos aceitar é a atuação desses profissionais sem o Revalida [exame que faz a revalidação de diplomas estrangeiros]”, afirma.
De acordo com a assessora técnica da Secretaria de Saúde de Caxingó, Ilvanete Tavares Beltrão, o “não” ao Mais Médicos tem explicação. Segundo ela, a cidade priorizou a participação em outros programas para assegurar e melhorar o acesso da população ao serviço de atenção básica, como o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf), que prevê a contratação de profissionais como psicólogos, nutricionistas e fisioterapeutas na equipe, mas que ainda não foi implantado.
A prefeitura também tenta aderir ao Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ), visando mais recursos para a saúde. Segundo a administração municipal, o dinheiro seria usado na compra de material para as três UBSs e implementação no salários dos profissionais.
“Essa foi uma decisão compartilhada, porque diante dos nossos indicativos não vimos a necessidade de ter mais um profissional, mas priorizar programas que venham a dar melhor suporte ao trabalho que já vem sendo feito. Não concordamos com essa verticalização das ações do Ministério da Saúde em dizer o que estamos precisando. Temos que ajustar necessidades às possibilidades”, diz.
A Secretaria de Saúde pretende implantar até o próximo ano o atendimento de emergência nos fins de semana, e a prefeitura conseguiu a aprovação junto ao Ministério da Saúde a aquisição de uma unidade do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), que será compartilhada com a cidade vizinha de Caraúbas, distante 12 km. Segundo o secretário, o serviço vai funcionar a partir de 2014. As três unidades de saúde também estão passando por uma ampliação.
Atendimento
“Sempre que eu venho atrás de uma consulta eu consigo e isso não era tão fácil. Já precisei por duas vezes e fui atendida. Não há muito o que reclamar. O médico demora porque vem de outra cidade, mas, para mim, isso é normal”, afirma a auxiliar de serviços gerais Fátima Nascimento.
A dona de casa Maria Cilda de Sousa Gomes mostra o cartão de vacina do filho caçula de dois anos atualizado. Ela ajuda a engrossar a fatia de moradores que sobrevivem com a renda do Programa Bolsa Família — 82% do total do município.
Com o ganho mensal de R$ 244 que recebe do programa federal, ela mantém com dificuldade o sustento da casa de quatro cômodos. Por outro lado, ela diz que a acesso fácil ao serviço de saúde lhe garante a medicação em casos onde há necessidade de tratamento. “Graças a Deus nós temos médicos e médicos bons e medicação também. Aqui só não dá para resolver os casos de urgência. Não tenho o que reclamar não”, afirma.
Fonte: G1