Com problemas de saúde, Drica Moraes teve que deixar as gravações de “Império”. Não é a primeira vez que um impasse desses se apresenta para a equipe de uma novela. Riscos assim são inerentes ao gênero, já que o elenco passa meses gravando. É um trabalho imenso, hercúleo, pontuado de inevitáveis imprevistos. Portanto, saber encontrar soluções para as intercorrências também faz parte do processo. A saída mais frequentemente usada nesses casos é a do personagem que “parte numa longa viagem”. Mas não é uma regra. Em 2002, Débora Falabella caiu de cama com meningite e sua irmã, Cynthia, também atriz e muito parecida com ela, assumiu por alguns capítulos a personagem, Mel. Soaria como uma ideia extravagante de Gloria Perez não fosse a autora uma das principais defensoras do princípio de que o público deve “voar”. E funcionou. Em 2006, Silvio de Abreu teve que reescrever muitos capítulos de “Belíssima” quando Gloria Pires contraiu hepatite. O jeito foi internar a personagem, a protagonista, numa clínica de estresse.
Agora, a solução encontrada pelo autor, Aguinaldo Silva, foi devolver a vilã Cora à sua intérprete na fase inicial, Marjorie Estiano. Desde o capítulo de sábado, ela ocupa o lugar de Drica. As transformações fisionômicas foram tratadas com certa naturalidade. Na primeira cena com Marjorie, o Comendador (Alexandre Nero no melhor papel de sua carreira na TV) comentou, com sutileza, a mudança. Ela retrucou algo na linha “estou rejuvenescida por você” e a sequência ficou costurada por flash-backs. Foi bom.
O expediente, se por um lado serviu para não corromper a trama, mantendo a personagem no enredo, por outro, é um risco. Uma obra de ficção não precisa ser realista, mas vive de credibilidade. Pode dar certo — e num primeiro momento pareceu dar. A decisão de Aguinaldo, um autor em grande momento criativo, foi corajosa. Resta saber qual será a reação do público. Tudo isso faz lembrar aquilo que Umberto Eco chamou de “um acordo ficcional” entre um leitor e o criador de uma obra literária. “É a suspensão da descrença, o leitor tem de saber que o que está sendo narrado é uma história imaginária, mas nem por isso deve pensar que o escritor está contando mentiras. Aceitamos o acordo ficcional e fingimos que o que é narrado de fato aconteceu”, escreveu ele.
Voltando a Cora, a personagem era um dos pontos mais promissores de “Império”. Porém, sua força foi se diluindo em cenas cômicas. Com tal guinada, a malvada acabou deixando o lugar inicialmente tão central. As razões para isso não dizem respeito ao trabalho das duas (maravilhosas) atrizes e sim ao caminho da dramaturgia. Agora, com esse solavanco da vida real com reflexos na ficção, quem sabe ela retomará o antigo posto de principal malfeitora. O autor poderia ter optado pela tal “longa viagem” ou por outro recurso qualquer que tirasse a solteirona da história. Mas, não, preferiu mantê-la ao custo da substituição da atriz. Que toda essa aposta em Cora seja parte de uma virada maior.
Fonte: kogut.oglobo.globo.com