01Leonardo de Carvalho Castello Branco é um dos heróis da Independência do Brasil no Piauí. Nascido em termo da vila de São João da Parnaíba, fez parte do grupo de patriotas que promoveu o brado do dia 19 de Outubro de 1822, liderado pelo coronel Simplício Dias da Silva e o juiz João Cândido de Deus e Silva. Com a saída estratégica do grupo da vila da Parnaíba, a fim de arregimentar recursos no Ceará para defesa da liberdade do Brasil, Leonardo volta para defendê-la no Piauí, ao lado do companheiro José Francisco de Miranda Osório, apoiados por seiscentos cearenses. Na freguesia de Piracuruca, fez brilhante proclamação pela Independência no dia 24 de Janeiro de 1823, repetindo o feito em Campo Maior e no Maranhão, aonde foi preso por fazer propaganda patriótica e remetido para Prisão do Limoeiro em Lisboa, Portugal. Como promessa, ao sair do cárcere mudou de nome, passando a assinar Leonardo da Senhora das Dôres Castello Branco. Livre pelo indulto de Dom João VI, regressou ao Brasil chegando no Recife onde foi bem recebido pelo presidente da província Manoel Paz de Andrade, com quem comungava ideias republicanas.

Defendeu a República da Confederação do Equador (1824), e por isso, foi preso novamente, agora em Oeiras, capital do Piauí. Em 1833, retorna a Lisboa para aprofundar seus conhecimentos científicos, ficando hóspede do ministro do Império do Brasil naquela Corte, Antônio de Menezes Vasconcelos de Drumond, do qual era amigo.

Leonardo foi estudioso da mecânica científica, escritor e poeta, sendo grande defensor da religião católica e da moral cristã. Eleitor de paróquia da vila de São João da Parnaíba, em seus poemas, refutava os escritos daqueles que negavam a Deus, e procurava mostrar a sua Grande existência através das riquezas naturais do Piauí, como em O Ímpio Confundido (1837), e A Criação Universal (1856).

Por ser católico fervoroso, ganhou do magistrado e jornalista Clodoaldo Freitas, no livro Vultos Piauienses (1903), crítica bastante depreciativa dos seus poemas: e assim tudo o mais, neste estilo sensaborão e pesado, sem arte, sem sentimento, sem graça; os quadros do poema, escritos em versos brancos massudos e intoleráveis, não trazem ao espírito a mínima emoção poética, a mínima ideia de coisa alguma. Clodoaldo era um anticlerical ferrenho da época da Questão Religiosa, e a sua crítica ainda é aceita e reproduzida por aqueles que não tiveram como analisar o porquê dessa negativa, nem tampouco a obra do herói piauiense.

Mas o tempo é o grande avaliador de qualquer construção humana, e hoje já podemos perceber a contemporaneidade e a importância da obra de Leonardo, que escreveu muito. Como exemplo, um trecho do livro Santíssimo Milagre (1837), onde, através de um alto poder de observação, Leonardo fala daqueles que, com o escudo da revolução, tentam chegar ao poder a qualquer preço, mesmo que seja sobre a ruína de muitas vidas, algo muito atual no nosso Brasil:

CANTO VI

VINDA E VOLTA DO SANTO MILAGRE A LISBOA, PROCEDIMENTO DOS REVOLUCIONÁRIOS FRANCESES, E O HOMEM DAS BOTAS DE CORTIÇA

Tendo bebido a vasta e inquieta França

A letal, filosófica doutrina

Que em Moral, a impiedade ensina e aplaude

E em Política os dois famosos Dogmas

Liberdade e Igualdade, belo engodo

Com que os Pais da Pátria muito pescam

Porém não Peixe; e sim Dinheiro e Cargos

Com que modestamente galardoam

Mesmo em si, seu hidrópico Amor-Pátrio

Que deles tem insaciável sede!

E nas suas Missões enchendo a boca

Com Palavrões pomposos do costume

Luzes; Filantropia; Liberdade;

Mais do que a boca, encher as mãos buscavam!

Ah! Quanto lhes não quadra, o que com graça

Dum Hipócrita disse Autor sisudo:

 Tem os olhos no Céu, no Mundo as unhas!

À sua imitação, põem os Patriotas

Na boca a Pátria, e na Fazenda os dentes

[Nota de Leonardo]: É isto mesmo, o que ainda continua a acontecer, e quanto se julgue suspeito o meu testemunho: aí estão todos os Periódicos Liberais: leia os seus queixumes contínuos contra a dilapidação da Fazenda pública; e conhecerá o Leitor, que não sou encarecido, e se esses acusadores obtiveram os empregos dos acusados, farão, pelo menos, outro tanto: nem se pode esperar outra cousa de homens, que só contam com esta vida [anticlericais]; e isto em tempo, em que, mais que nunca, Quem não tem, não é ninguém.

No poema A Criação Universal, no Canto 2, p. 53:

Triste sorte é a do Homem neste Mundo

Tem, sem desvio, de passar roçando

Entre estes dois políticos escolhos,

Despotismo e Anarquia, mais temíveis

Do que Scilla e Charbydes, tão famosos

Pelos naufrágios mil, de que são causa;

Que à vista destes menos são, que nada!

Se em tudo obedecemos aos Reinantes,

Cedo os ferros grilhões do Despotismo

Nos pés nos deitam, e nas mãos algemas!

Se o Povo a resistir-lhes costumamos,

A Anarquia voraz nos seus Abismos,

Precipitar-nos sem demora vai-nos!

Oh Liberdade! Oh venerável Deusa!

És tu que tens servido de pretexto,

Alias de engodo, ou mágica varinha

À homens imorais e ambiciosos

Que do – Bem Público – afetando zelo

E tendo só em vista o seu proveito

Ousadamente à testa se colocam

Dos opostos Partidos que não curam

Dos meios próprios a obstar os males

Da assoladora ave que eles mesmos,

Da lei e da razão quebrando os freios

E das brutas Paixões soprando o fogo,

Autores foram da explosão funesta!

Nota 1: Scilla e Charbydes, ou Cila e Caríbdis, é uma expressão da mitologia grega, que significa ter que escolher entre dois males; eram míticos monstros marinhos, o diabo e o azul das profundeza dos mares.

Nota 2: para atualizar os Poemas, basta trocar a palavra Liberdade, pela hoje decantada – Democracia. Dela, já falava Tocqueville, em Democracia na América, alertando para o despotismo democrático uma forma de controle social praticado por um governo burocrático e centralizado, que torna o cidadão isolado e fragilizado, reduzindo a nação a uma manada de animais tímidos e industriosos de que o governo é o seu tutor.

Folha de rosto do livro O Santíssimo Milagre de Leonardo da Senhora das Dôres Castello Branco editado em 1839, Lisboa, Portugal.
Folha de rosto do livro O Santíssimo Milagre de Leonardo da Senhora das Dôres Castello Branco editado em 1839, Lisboa, Portugal.
Elogio em soneto a Leonardo de Carvalho Castello Branco publicado na edição de 1837 de seu livro O Ímpio Confundido escrito por uma subscritora do Poema. Biblioteca Nacional de Portugal. Imagem: http://zip.net/bdtkYq
Elogio em soneto a Leonardo de Carvalho Castello Branco publicado na edição de 1837 de seu livro O Ímpio Confundido escrito por uma subscritora do Poema. Biblioteca Nacional de Portugal. Imagem: http://zip.net/bdtkYq

Nota 3: Leonardo de Carvalho Castello Branco dá nome à avenida da Parnaíba, antigo trecho urbano da BR-343, que sai do bairro São Benedito, nascendo na avenida Nossa Senhora de Fátima, até o cruzamento com a avenida Francisco Borges dos Santos, entrada de acesso ao Aeroporto Dr. João Silva Filho. A Lei Nº 2099/2004 foi aprovada pela Câmara Municipal de Parnaíba, projeto do então vereador Reinaldo Santos, e sancionada pelo então prefeito Paulo Eudes Carneiro.