Parnaíba é uma cidade onde as ruas carregam muito mais do que nomes em placas. Boa parte dos parnaibanos conhece e usa denominações populares que não aparecem nos mapas, mas que atravessam gerações. São nomes que misturam humor, memória, lendas e resistência — e que contam a história da cidade de forma viva, espontânea e muitas vezes surpreendente.

Entre os termos mais curiosos estão a Rua do Tamancão, o Mercado da Quarenta e o Beco do Deus Me Livre. Mas de onde surgiram esses nomes? O historiador Mauro Sousa ajuda a explicar as versões populares e históricas por trás dessas expressões que seguem vivas no imaginário da população.

Rua do Tamancão

Hoje oficialmente chamada de Rua João Goulart, nas proximidades do Porto das Barcas, essa via já teve outros nomes. Um dos mais conhecidos e que ainda é lembrado por moradores mais antigos é Rua do Tamancão. Segundo o historiador Mauro Sousa, há duas versões para a origem desse apelido:

“A primeira versão diz que, como o trecho alagava muito, as pessoas usavam tamancos altos para passar sobre a água. Já a outra, talvez mais conhecida, é de que as prostitutas que atuavam naquela região usavam tamancos altos como parte da indumentária para atrair clientes”, explica Mauro.

O nome acabou sendo associado diretamente ao som e à presença marcante dessas mulheres — o “toc toc” dos tamancos nos paralelepípedos virou uma espécie de assinatura do local.

Mercado Público da Quarenta

Outro ponto conhecido por um nome peculiar é o Mercado da Quarenta, no Bairro Mendonça Clarck. Antes de se tornar um centro de vendas, o local era uma área alagadiça, formada por uma lagoa durante o período das cheias do Rio Igaraçu.

“Temos registros históricos de 1901 que mencionam a ‘Lagoa da Quarenta’. Era uma área que alagava tanto que canoas circulavam por ali”, conta o historiador. 

A origem do nome “Quarenta”, no entanto, tem mais de uma explicação: A primeira está relacionada ao nome do igarapé que se formava no local; “Lagoa da Quarenta”. A segunda, mais popular, está ligada ao preço cobrado pelas mulheres que atuavam na prostituição na área: “É quarenta” ou “corenta”, diziam.

“Essa expressão era comum e acabou virando sinônimo do local. As pessoas começaram a associar a região à ‘Quarenta’, tanto pela lagoa quanto por esse valor que circulava no vocabulário popular”, diz o historiador.

Beco do Deus Me Livre 

Na região central de Parnaíba, um trecho da atual Rua Monsenhor Joaquim Lopes já foi conhecido por um nome assustador: Beco do Deus Me Livre. Segundo Mauro Sousa, o apelido nasceu de uma lenda urbana que envolvia um personagem influente do passado e muito conhecido pelos parnaibanos: Simplício Dias da Silva, que, segundo relatos populares, teria voltado do mundo dos mortos.

“A história dizia que Simplício Dias, após morrer, ressuscitou como um espectro. Ele teria passado a assombrar o local, e isso criou um clima de medo que fez com que as pessoas evitassem a área”, afirma Mauro.

A casa da família Dias da Silva, localizada no mesmo trecho, também foi envolvida nas histórias de assombração. Com o tempo, o lugar ganhou o nome de Beco do Deus Me Livre, tamanho o receio da população de passar por ali à noite.

“Nomear um lugar é também contar uma história. Esses nomes populares são fragmentos da memória coletiva, da vivência das pessoas. Eles resistem ao tempo porque fazem sentido para quem vive ali“, afirma o historiador Mauro Sousa.

Parnaíba é rica em manifestações culturais, e isso se reflete até na forma como seus moradores se referem às ruas. Cada apelido popular é um pedaço da cidade que não cabe nos mapas, mas que pulsa na fala do povo.