A ÉTICA DO DESGOSTO

Diz a lenda que Agosto é o mês do desgosto. Eu, logicamente, não acredito nisso e nem teria motivos para acreditar. Mas, pensando bem, duas notícias trágicas veiculadas neste último mês de Agosto causaram espécie e, de fato, provocaram desgosto na população brasileira.

A primeira trágica notícia, publicada no início do mês passado, dá conta de que “a palavra ética foi retirada do novo código de conduta dos senadores”. A segunda notícia, não menos decepcionante, publicada no fim do mês, informa que, em votação secreta, “a Câmara dos Deputados livrou Donadon da cassação” (site do Estadão dias 05 e 29 de Agosto).

A imprensa (site Globo.com 06.08) publicou que a palavra ética foi suprimida do provável novo Regimento Interno do Senado por que o relator da reforma entende que “isto daria margem a interpretações perigosas. O que é ética para você, pode não ser para mim. E aí incluir isso iria gerar problema de conflitos. A ética é uma coisa muito subjetiva, muito abstrata.”

Ocorre que a ética, ao estudar as formas ideais da ação humana, possui também natureza prescritiva, na medida em que induz a pessoa a se comportar adequadamente, praticando o bem e respeitando o próximo.

Regenaldo da Costa, no livro “Ética do Discurso e Verdade em Apel”, explica que para Apel, a primeira estratégia de argumentação favorável à fundamentação da ética normativa poderia partir da compreensão de que “desde uma perspectiva fenomenológica, os objetos das ciências humanas não podem constituir-se sem uma determinada valoração moral”.

Enfim, a ética normativa versa sobre “os meios práticos de se determinar as ações morais” (Wikipédia) e se apresenta como um sistema normativo da conduta humana.

Como explica Carlos da Fonseca Nadais, no artigo “A moral e a ética na filosofia do direito de Hegel: sua aplicabilidade nas relações jurídico-sociais contemporâneas”, publicado na Rev. Ibirapuera, São Paulo, n. 1, p. 69-72, jan./jun. 2011, “o direito por si só não move os indivíduos a uma conduta pautada no respeito às leis. O conteúdo moral e ético é fator preponderante ao respeito do cidadão ao Estado”.

Assim, considerando que “o conteúdo moral e ético é fator preponderante ao respeito do cidadão ao Estado”, não há razão para retirar a palavra ética do novo Regimento Interno do Senado.

Quanto a não cassação do deputado, condenado a 13 de prisão por peculato e formação de quadrilha, além de inconstitucional, tal fato ocorreu por pura falta de ética, posto que, segundo a imprensa (site Globo.com dia 06.08) este caso “é visto pela Câmara como um precedente para descumprir eventual decisão do Supremo pela perda imediata do mandato no processo do mensalão”.

Ressalte-se que a ética, como ciência, busca modelos adequados e convenientes de conduta, portanto, se “a Câmara dos Deputados livrou Donadon da cassação” ou o julgamento não se baseou em princípios éticos ou o Parlamento considera sempre adequada e conveniente a conduta praticada pelo Deputado não cassado.

Enfim, nada como um dia atrás do outro… o mês de Agosto acabou e o efeito devastador dos dois acontecimentos trágicos acima narrados já começa a cessar. Logo no início de Setembro, mais precisamente no dia 02, o Ministro Luis Roberto Barroso do STF concedeu liminar anulando a sessão da Câmara que rejeitou a cassação do mandato do deputado Natan Donadon. No dia seguinte (03.09), o Plenário da Câmara aprovou, por unanimidade, a “PEC do Voto Aberto” (349/01), que acaba com o voto secreto em todos os tipos de votação, inclusive as de cassação de mandato.

O fim do voto secreto já foi aprovado na Câmara e ainda necessita ser analisado no Senado em dois turnos, mas já se revela possível de ocorrer. Falta, entretanto, acabar de uma vez por todas com a discussão a respeito da competência para decretar a perda do mandato parlamentar, tornando automática a perda do mandato do político condenado criminalmente, por decisão transitada em julgado e que se enquadrarem nas hipóteses previstas no art. 92, I, do Código Penal, afinal de contas a interpretação sistemática dos dispositivos atinentes a esta matéria não permite outro posicionamento.