A LEITURA DO LEITOR

 

Vitor de Athayde Couto

 

Latinório é um patuá parnasiano que preserva o academicismo universinejo. Quando estudavam nas uniesquinas, jovens parnasianos confessaram ao dono da empresa de eventos que o seu maior sonho de consumo é usar beca e chapéu de formatura.

 

– Só você vendo, Anaïs. Os formandos ficam engraçados, iguaizinhos ao Gilberto, sobrinho do Pateta. Não satisfeitos – prossegue Mani – nunca dispensam anel no dedo, adornado por uma baita e fantasiosa pedra colorida. Usam toga até para ir ao banco, supermercado, borracharia, cartório, cabaré ou restaurante gurmê à la brochette de chat (espetinho de gato). Nas solenidades, os mais graduados penduram no pescoço uma banda de melancia vermelha, presa por um correntão de semiouro, daqueles usados pelos mestres de cerimônia de bailes funk.

 

Tudo indica que essas tralhas meidinchina um dia vão desaparecer por causa do cumunirmo. Afinal, ninguém vai querer usar mercadorias fabricadas por comunistas, vai? Nem aifôni. Mas nem! Até a cor vermelha da pedra dos anéis já adquiriu portabilidade e está migrando para a cor verde. Mas ainda há quem resista porque, no início dos tempos, o anel verde era usado exclusivamente por curandeiros, rezadeiras de espinhela caída, e médicos.

 

Jornalistas locais já começam a criticar as solenidades só porque parecem bailes de máscara. Além das formaturas, os parnasianos adoram participar de lançamentos de livros. Eles se vestem a rigor e fazem pose de intelectual para selfies blogáveis. É o momento em que consomem mais pitanças e bebem o mais caro uísque importado não se sabe de onde. Nem se sabe por que eles misturam uísque de 12 anos com água de coco e refrigerantes dáieti, com bastante gelo. Daí eles mexem o gelo com o dedo indicador sujo de tanto apertar as mãos das autoridades presentes no recinto – pois se até as excelências também cultivam melecas no nariz. E ainda coçam o saco puxado.

 

Com o computador, é fácil publicar livros, qualquer que seja o conteúdo, ou até sem nenhum. Você contrata um micreiro ou vai ali na lanhouse da esquina e…

 

Para rechear o livro, os escritores autodeclarados copiam manuscritos e outros documentos nos velhos arquivos públicos. Esse processo tem um nome que impressiona pelo latinório: fac simile. Para alguns, isso significa sorria! Para outros, significa fax, que é nada mais, nada menos do que o velho CTRL+C CTRL+V. Não raro chamam de fax o descomer número dois – passar um fax na privada.

 

Como os romanos contemporâneos, todo parnasiano adora imitar americanos médios. Eles acham que tudo de importante que se fala no mundo tem de ser sempre com sotaque anglonubiano. Se não, deve ser lido e interpretado como americanos médios falando assim: fac=faça, e simile=sorrir, como smile. Os think tanks do Norte garantem que simile é apenas uma grafia antiga dos romanos. Garantem também que o certo mesmo é smile. Se isso for publicado, como está sendo agora, acaba virando verdade. É só uma questão de tempo. Livros duram muito, não caem na privada e nunca mentem. O seu conteúdo depende da leitura do leitor. Portanto, miga, se um americano disser que fac simile significa faça sorrir, aceite, na santa pax romana do Tio Sam. E todos gritam “Ave, César!” com o braço direito estendido. A vida é um feixe (fascio) de significados. Como a gente não entende, acaba reproduzindo esse eterno retorno. Pra quem já foi o país do futuro, estou certa de que ainda temos um grande passado pela frente – concluiu Mani.

 

(próxima crônica: “JURIDIQUÊS NEOBARROCO”)

 

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Escute o texto com a narração do próprio autor: