A TERCEIRA MALDIÇÃO
Vitor de Athayde Couto
– Miguel, venha cá, pra perto de mim! – assim Vó Branquinha chamou o neto que tinha ido outra vez até a estátua e voltou assustado. – O que houve, Miguel? – vovó perguntou, preocupada.
– Vovó! Aqueles olhos brancos, vovó! Parece o olhar do demônio!
– Não, Miguel, fique tranquilo. Aquilo é cocô de pardal que caiu sobre os olhos daquele… daquele “herói”, como dizem os historiadores de plantão.
Não faz muito tempo, sem nenhuma explicação, como se fosse obra de algum agente do mal, milhares de pardais invadiram a pracinha do abrigo e passaram a habitar os oitizeiros que ainda restavam por lá. O barulho infernal (cantores sertanejos, sem noção das coisas do inferno, preferem chamar esse barulho de “sinfonia de pardais”) e as sucessivas chuvas de cocô acabaram expulsando os últimos engraxates que ganhavam o seu pão por ali, trabalhando à sombra dos oitizeiros.
– É essa a terceira maldição, vovó?
– Parece que sim, Margarida. E, o que é pior, durante a noite os pardais atraíam corujas famintas, saídas de algum ateliê de bruxas muito malvadas. As corujas se banqueteavam e largavam os ossinhos dos pardais pelo chão. Não satisfeitas, algumas corujas ainda comiam ovos e filhotes que encontravam nos ninhos. As corujas só se afastavam quando o sineiro tocava o sino da catedral, marcando as nove horas da noite.
– Hora de soltar as onças, vovó?
– Sim, Estefânia. É o que dizem. Nos domingos, é quando termina a missa noturna e as famílias dão a última volta na praça, sempre evitando os oitizeiros da pracinha do abrigo, por causa do cocô dos pardais. Mesmo assim ainda se veem pessoas usando óculos escuros no meio da noite, além de guarda-chuvas em pleno estio, para se protegerem do bombardeio fecal. Todavia, quem precisasse voltar pra casa, pelo lado oeste da pracinha, nunca esquecia o sinal da cruz ou algum louvado seja. Tudo isso porque as pessoas costumavam dizer que o lado oeste da praça era amaldiçoado. Só os cantores sertanejos sem noção dizem que esse barulho é música, ou pior, é “sinfonia de pardais”, haha.
– Verdade, vovó – disse Estefânia – esses cantores não fazem a menor ideia do que seja uma sinfonia. Devem até pensar que Beethoven só compôs a quinta e a nona depois de ter ouvido com atenção a sinfonia dos pardais da pracinha. Não demora, os historiadores de plantão irão dizer que Beethoven era hermopolitano, e, algum dia, havia frequentado a pracinha do abrigo, haha.
– Verdade, Estefânia. Hoje em dia as pessoas escrevem e publicam qualquer coisa, como se fossem fatos verdadeiros. E, o que é pior, quem lê acredita, haha. Mas, vamos à quarta maldição:
(Continua na próxima sexta-feira)
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