O Piauí não ostenta somente o desconforto de ser o mais pobre dos integrantes da República Federativa do Brasil, carrega também o pesado fardo da ineficiência e do atraso na prestação de importantes serviços públicos que administra, podendo-se citar como exemplo o sistema bolorento das serventias cartorárias, a quem compete registros indispensáveis ao exercício de direitos e deveres da população.
Os cartórios do Piauí, em sede de serventias extrajudiciais, isto é, que prestam serviços registrais, por delegação do Poder Público, funcionam obediente a uma estrutura velha, bolorenta, nos moldes da realidade do século passado.
A comarca da Teresina, a mais importante do Estado, concentra os serviços cartorários em poucas pessoas, sob forma que se assemelha ao das Capitanias Hereditárias, onde o comando do serviço é passado de pai para filho e assim vem acontecendo.
Em Teresina (Pi), os serviços concentram-se no centro da Cidade e o infeliz, habitante da “Vila Molambo”, por exemplo, para ter a autenticação de um documento ou um simples reconhecimento de firma, tem que se deslocar, pagar transporte (para sua desgraça não existe ainda serviço integrado de ônibus) e o serviço do cartório, além de ter que enfrentar longas filas.
Alguns dos “donos” de cartórios, “encastelados” em luxuosos escritórios, embora conscientes de se tratar de prestação de um serviço público, são contrários a qualquer mudança, haja vista a possibilidade de diminuição do extraordinário rendimento financeiro auferido e que se dane a população, notadamente a mais carente.
As mudanças têm que acontecer através do Judiciário. Os Desembargadores JOSÉ LUIZ MARTINS DE CARVALHO e JOÃO BATISTA MACHADO, tentaram, mas foram preteridos pelo “poder da força” do sistema perverso dominante. Agora o atual Chefe do Poder Judiciário, Desembargador EDVALDO PEREIRA MOURA, consciente da triste realidade e motivado pelo estímulo do “sopro dos ventos” originário do CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, encaminhou à Assembleia Legislativa PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR Nº 10/2011, “criando novos cartórios em Teresina, modificando as circunscrições territoriais dos cartórios do mesmo município e dando outras providências…”
O referido PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR, não obstante a sua importância social, tramita em “passos lentos” na Assembleia Legislativa desde o dia 22 de agosto de ano em curso.
Os senhores Deputados têm o dever de apreciar a votar a matéria, que é de elevadíssimo interesse público. A participação da comunidade organizada é de suma importância. O Poder Judiciário, originário da proposta de mudanças (ainda que tardineira), o Conselho Nacional de Justiça, o Ministério Público, a Ordem dos Advogados do Brasil, as Associações de Bairros e outras instituições compromissadas com as grandes causas sociais, devem se unir, pela concretização de tal desiderato.
EMPRESAS – DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.
A distinção entre pessoa jurídica (empresa) e física, isto é, a principal, tem como objetivo resguardar bens pessoais de empresários e sócios em caso de inadimplência da empresa, capaz de leva-la a procedimento falimentar.
No caso, ressalvadas as situações de ocorrência do procedimento fraudulento, com a finalidade de lesar credores, o empresário e sócios dispõem de respaldo legal para promoverem, como segurança, investimentos de grande envergadura, indispensáveis ao sucesso da atividade econômica, cientes de que terão respeitados os seus bens pessoais.
Repetindo, a personalidade da pessoa jurídica não se confunde com a de seus integrantes nem com a de seus administradores, conforme era previsto no art. 20 do Código Civil de 1916, princípio assente no art. 44 do atual Código Civil.
Mas pessoas de má índole em algumas situações se utilizam do escudo da proteção que lhe assegura a legislação, cometem excessos e desvios de finalidade da atividade empresarial, transferem recursos financeiros para seus patrimônios pessoais, ensejando, em tais situações, que a Justiça decrete a desconsideração da personalidade jurídica, restando comprometido o patrimônio pessoal do infrator. A regra do art. 50, do Código Civil assegura a providência, que se constitui numa exceção:
“Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidas aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”.
Na legislação brasileira encontramos o embrião da referida teoria no Código Tributário Nacional – art. 135, III – entretanto, restou consolidada no Direito positivo no CÓDIGO DE DEFESA DO CNSUMIDOR (Lei 8.078/90), onde no art. 28 elenca situações em que o juiz pode desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade: “O juiz poderá desconsiderar a pessoa jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração”.
Na doutrina a matéria ganha considerável espaço, notadamente, nos dias atuais, onde as práticas fraudulentas são cada vez mais frequentes. No Código Civil Comentado, 3ª edição, Manole, p. 60, trabalho coordenado pelo Ministro CEZAR PELUSO, colhe-se o seguinte: “A fim de pôr cobro a esses desvios é que se formou a doutrina conhecida como disregard of legal entity, também chamada doutrina da penetração, para vincular e atingir o patrimônio dos sócios. Adverte, porém, Rubens Requião (pioneiro no estudo da teoria originária da Inglaterra) que “não se trata, é bom esclarecer, de considerar ou declarar nula a personificação, mas torna-la ineficaz para determinados atos”.
No Piauí, precisamente em Teresina, determinada empresa do ramo da construção civil, construiu alguns prédios e negociou a venda de apartamentos com diversas pessoas. Algumas unidades foram entregues, sem, contudo transferi-las para os adquirentes, outros edifícios, sequer, “saíram da planta”. Estabelecido o “calote”, os prejudicados buscaram a Justiça e, pelo menos, um dos Juízes de Direito da Comarca, acolheu o pedido de desconsideração da personalidade jurídica da empresa caloteira, restando onerado o patrimônio pessoal do seu titular.