Nascido em Fortaleza-CE em 1941, o professor João Ernesto Araripe teve a partir dos doze anos de idade uma formação religiosa e militar: de 1953 a 1957 foi aluno do Seminário Arquidiocesano de Fortaleza e de 1960 a 1962 serviu ao CPOR, recebendo em razão de estágios feitos a patente de 2º Tenente do Exército. Ainda em Fortaleza iniciou três cursos superiores, todos na Universidade Federal do Ceará e não concluídos: Faculdade de Engenharia, Instituto de Física e Instituto de Matemática. Graduou-se finalmente em administração de empresas na Universidade Federal do Piauí/ Campus Ministro Reis Velloso.
Em fins dos anos 60 ingressou no Banco do Brasil S.A. e casou-se com a parnaibana Nancy Pinheiro, fixando residência em Ubajara-CE e em seguida em Parnaíba, onde começou a dar aulas de Matemática para pequenas turmas que se preparavam para concursos públicos e para vestibulares. Ali estava o embrião do cursinho preparatório para o vestibular – o Cobrão – por ele fundado em 1973 com a seguinte equipe de professores: João Ernesto Araripe (Matemática e Física), Maria da Penha Fonte e Silva (História Geral e do Brasil), Carlos Alberto Teles de Sousa (Inglês), Antônio de Pádua Barbosa Vieira (Geografia), Assis Sousa (Biologia e Química) e Alcenor Candeira Filho (Português e Literatura Brasileira).
Em 1978 transformou o cursinho em colégio, inicialmente só com o ensino médio. Depois foram instituídos os cursos de ensino fundamental e primário, mantidos até hoje. Nessa época de formalização do colégio, João Ernesto pediu-me sugestões para o nome da instituição. Forneci-lhe algumas, mas ele sem pestanejar me disse que era grato pelas sugestões, mas a denominação já estava definida: Unidade Escolar Alcenor Candeira, mantido o nome de fantasia COBRÃO.
Houve um período em que a procura por vagas nos 1º, 2º e 3º anos do curso de ensino médio do Cobrão era bem maior que a demanda. Campeão absoluto em aprovação em vestibulares, o colégio mantinha cinco turmas para cada série e os alunos novatos submetiam-se então a testes seletivos para ingressarem na escola.
À época o colégio só dispunha de um prédio, no centro da cidade. As salas de aula foram erguidas ao lado da residência do diretor-proprietário, cuja esposa, Nancy, fazia de sua casa uma extensão do colégio, recebendo a qualquer hora alunos, que usavam à vontade a piscina e a quadra de esportes. Ali se reunia festivamente a “família Cobrão”. Que o digam os alunos daqueles inesquecíveis tempos.
Algumas curiosidades:
– ao longo de toda a existência do Cobrão o professor João Ernesto é sempre o primeiro a chegar ao trabalho, postando-se no portão de entrada para receber alunos, funcionários e professores;
– à noite, na época em que faltava energia elétrica com frequência, João Ernesto só entrava em sala de aula com vela e fósforo no bolso, usados sempre que necessário: o importante era não interromper a aula;
– as cadeiras da escola eram pregadas no piso e numeradas, de modo que cada aluno usava sempre a “sua” carteira, possibilitando que o professor não perdesse tempo com a tradicional “chamada”: servidor da escola é quem conferia as ausências;
– a porta do gabinete do diretor é identificada com a placa – COMANDO;
– Meus dois primeiros livrinhos de poesia – “Sombras entre Ruínas” (1975) e “Rosas e Pedras” (1976) foram feitos no mimeógrafo do Cobrão, com tiragem de 200 exemplares;
– em 1957 o pai de João Ernesto recebeu uma carta do reitor do Seminário na qual comunicava que lamentavelmente seu filho seria desligado daquela instituição por falta de vocação para a missão eclesiástica;
– trabalhei no Cobrão de 1973 a 2005, deixando a atividade docente para exercer o cargo de secretário municipal de educação.
O professor João Ernesto adotou na sua escola dois princípios simples: primeiro, recrutar professores nem sempre em função de titulação, como ser formado em pedagogia, ter mestrado ou doutorado, mas sim em razão do talento individual e do bom conhecimento da matéria que leciona, quer dizer, o que importa é a habilidade para transmitir aos alunos de forma clara e eficaz o conteúdo da disciplina. Nunca faltou ao professor João Ernesto a consciência de que as nossas faculdades de pedagogia muitas vezes formam professores incapazes de fazer o básico: entrar na sala de aula e ensinar a matéria, com cada aula devidamente planejada. Por isso pelo Cobrão passaram como professores médicos, advogados, economistas, administradores de empresas, engenheiros sem formação (formal) em pedagogia.
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Como declarou Eunice Durham, uma das maiores especialistas em ensino superior brasileiro (VEJA, 26.11.2008), “os cursos de pedagogia desprezam a prática da sala de aula e supervalorizam teorias supostamente mais nobres. Os alunos saem de lá sem saber ensinar. (…) O objetivo declarado dos cursos é ensinar os candidatos a professor a aplicar conhecimentos filosóficos, antropológicos, históricos e econômicos à educação. Pretensão alheia às necessidades reais das escolas – e absurda diante de estudantes universitários tão pouco escolarizados”.
Segundo o professor americano Eric Hanushek (VEJA, 17.09.2008), especialista em combater com números os mitos sobre a sala de aula, “as pesquisas não deixam dúvidas: os Ph.Ds. não apenas não são necessariamente os melhores professores, como muitas vezes figuram entre os piores”.
O outro princípio a que o professor João Ernesto sempre foi fiel é o de não permitir o absenteísmo, estranho hábito de alguns professores de não aparecer para dar aula. Ao longo de mais de 30 anos de trabalho no Cobrão, testemunhei muitas vezes, por exemplo, João Ernesto pegar o automóvel para tirar de casa o professor “sumido da sala de aula” por causa de chuva.
Está redondamente enganado quem imagina que o interesse intelectual do professor João Ernesto é voltado apenas para as ciências exatas. Como ex-seminarista sempre teve interesse pelo latim e pelo português. De vez em quando ele me dasafiava a estudarmos juntos a língua de Cícero, já que sabia que eu tinha algum conhecimento desse idioma, que estudei no ginásio e no curso preparatório para a faculdade de direito, no Rio de Janeiro. Eu ria da proposta e recitava estes versos do poeta português Cesário Verde:
“Dó da miséria!… Compaixão de mim!…
E, nas esquinas, calvo, eterno, sem repouso,
Pede-nos esmola um homenzinho idoso,
Meu velho professor nas aulas de latim!…”
João Ernesto é ouvinte contumaz de música clássica, possuindo valiosa coleção de discos nessa área: Bach, Tchaikovsky, Beethoven, Ravel, Chopin, Vivaldi, Mozart e outros.
Hoje, aos 76 anos de idade, ainda dirige o Colégio Cobrão e dá cinco aulas por semana, dedicando-se à educação com o mesmo entusiasmo de quando era jovem.
Ele e Nancy têm quatro filhos, todos bem encaminhados na vida, e vários netos e bisnetos. Daqui a alguns anos eles com certeza pronunciarão a célebre frase que é privilégio de poucos: “Meu neto, dê cá teu neto”.
Por Alcenor Candeira Filho