OS DONOS DE DEUS

 

Vitor de Athayde Couto

Todo os dias chegam mensagens dos donos de Deus. Quem são eles, onde vivem, o que comem? Ninguém sabe. Mas esses tais donos de Deus têm certeza de que conhecem as vontades do Todo-Poderoso. Sabem o que Ele reservou para a minha vida, para a sua vida. Sabem que, se eu fizer isso, aquilo e aquilo outro, Ele cuidará de mim. Dizem até que eu não devo me preocupar porque Deus já traçou o meu caminho etc. etc. etc.

Curioso, fui até o céu para me certificar. Chegando lá, claro, encontrei uma porta, mas não era uma porta larga e nem estreita – como se referem os donos da porta do céu. Era só um portão normal, desses portões de jardim. Por sorte, a chave não estava na fechadura. Pedro, muito cioso, tranca e guarda a chave sempre amarrada no seu cordão de hábito franciscano, porém, branco. Foi a minha deixa, pois, em terra de cego, quem tem um olho olha pelo buraco da fechadura. Nem acreditei no que via do outro lado do portão: estavam lá, Jesus e seus discípulos, num belo jardim, entre tamareiras, parreiras e oliveiras.

Era Sexta-Feira Santa, Sexta-Feira Santa! Jesus, coitado, estava triste pois não tinha nenhum motivo para comemorar naquele dia fatídico. Quando Ele, mais uma vez, reuniu os discípulos, o mais jovem gritou:

– Sextou, galera!

E Jesus, do alto de sua infinita bondade e paciência – típicas de um professor brasileiro – dirigiu-se mais uma vez aos seus discípulos, pediu silêncio e disse:

– Amados irmãos, tomai e bebei, este é o cálice do…

Sem esperar o final da parábola, os discípulos saíram correndo até o bar da esquina. Menos Pedro.

– Janjão, bota aí aquele cervejão de sabadão – gritaram os discípulos.

E Janjão, um robusto arcanjão com as asas já cansadas, exibindo seu corpão e um avental branco sobre o barrigão, atendeu a todos por conta da casa.

– E tu, Pedro? Por que não foste também? Não sabes que aqui no céu nada é pecado? – perguntou Jesus.

Pedro, que até aquela data não sabia que o céu ficava do lado de baixo do Equador, respondeu, preocupado:

– Porque, Senhor, só chamaram uma vez. Se quiserem que eu vá tomar uma, têm que fazer quatro chamadas, porque eu vou hesitar nas três primeiras vezes. E tem mais, se a cerveja for Petra, pode, sim, ser pecado. Não quero ser canibal. Pedro e Petra, já pensou? Além disso eu não posso me afastar daquele portão que os donos de Deus chamam de porta estreita. Que tal brindarmos aqui mesmo com uma caneca d’água benta?

– Bem lembrado, Pedro. Água é fundamental. Água é vida eterna.

– Sei não, Senhor – duvidou Pedro. – Acho que a água não é tão eterna assim. Os homens poluíram todos os mananciais na Terra e já começam a procurar água em outros planetas.

– Verdade, Pedro. E meu Pai verá que isso não é nada bom. Já andam dizendo que a água do Planeta Mercúrio contém Mercúrio. Mas os astronautas também descobriram por lá uma montanha de garrafas plásticas de água mineral.

– Mas as garrafas são recicláveis, não são? – disse Pedro.

– Hahaha, essa piada foi muito boa – respondeu Jesus, erguendo a caneca.

E assim Jesus sorriu numa Sexta Feira Santa pela primeira vez.

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