APELIDOS

 

Vitor de Athayde Couto

 

Mani começava a entender por que existem cidades e comunidades brasileiras onde todo mundo tem apelido. Ou senão as pessoas são conhecidas pelo nome dos pais. Isso é comum nas campanhas eleitorais, quando a gente vê muitos nomes fora da curva. Fernando de Rosinha, por exemplo, ganha muitos votos graças à mãe dele. Dona Rosinha, doceira muito conhecida, é mãe do Fernandinho, menino que mal frequentava a escola, um verdadeiro cão. Mas registrou o seu nome no PEPAPIG (Partido das Emendas Parlamentares Para Incremento da Gastança) como Fernando de Rosinha. Foi eleito.

 

– Pra mim – diz a escrivã –, o pior são os registros de apelidos. Algumas mães querem porque querem registrar apelidos como se fossem nomes. O mais comum são os apelidos russos. Como você deve saber, Mani, os russos têm o costume de chamar os familiares pelo diminutivo dos nomes. Ou então por apelidos. Foi assim que chegaram aqui no Brasil uns diminutivos, que acabaram virando moda. É o caso das Tânias, Cátias, Sônias e Vânias, com todas as suas variações e seus éles, ípsilons e letras dobradas, um inferno.

 

– Imagino.

 

-Tento convencer as mães para que registrem os nomes originais. Depois, em casa, como fazem os russos, podem tratar os familiares pelos respectivos diminutivos.

 

– Mas Sônia não é um nome?

 

– Por incrível que pareça, não. Não é. Eu também pensava que sim, mas Sônia é apenas o diminutivo ou apelido de Sofia.

 

– Não diga.

 

– Pois é. E tem mais. Vânia é apelido de Ivan, um nome masculino.

 

– Putz!

 

– Sasha é apelido ou diminutivo de Alexandre. Kátia é de Catarina. Natasha, de Natália. Ania, de Ana. Mas não tem jeito. As mães teimam e insistem em dizer que eu estou errada, porque nas novelas da televisão…

 

– Haha, rachega!

 

– Peraí, tem exceções.

 

– Como assim?

 

– Bem, pelo menos uma vez por semana, chega uma mãe querendo registrar a filha como Amélia. Aí, eu vou logo digitando Amélia também na linha do registro onde se pede pra informar o nome da avó. A mãe, surpresa, pergunta: como é que a senhora sabe que a avó dela também é Amélia?

 

– Haha!

 

– Pois é. Experiência, minha amiga. Os nomes das avós vão se alternando assim: Isabel, Flávia, Amélia, Rosa. Maria, só muito raramente. Maria, agora, é nome de gente rica. José e Pedro também. Por causa do papa, tenho registrado muitos Franciscos. Mas só de gente rica, embora Francisco seja o santo dos pobres.

 

– Haha! É verdade. Eu sempre achei que esses nomes inventados são de gente pobre. Mas posso estar sendo influenciada pelos programas de humor na televisão. Eu conheço dois garotos, Sarrafo e Prumo. São filhos de pedreiro. Uma vez chegou uma Arandellya, lá no serviço social onde trabalhei. Fui logo adivinhando, deve ser filha de marceneiro. E era. E assim o Brasil vai-se povoando de Karppyiamys, Deuriclécias, Almendállyas… e glória a deus!

 

– Aleluia, irmã! Haha. Volte sempre. Gostei da nossa conversa.

 

– Mas eu não sei o seu nome, disse Mani.

 

– Theoddollytha.

 

– Já sei. Seu pai é Teodoro e sua mãe é dona Lita.

 

– Não. É que, quando eu nasci, meu pai era ajudante de topógrafo. O trabalho dele era carregar uma grande régua e um aparelho chamado teodolito. Ele achava esse nome lindo. Mas pode me chamar de Téo.

 

(próxima crônica: “O PASTOR SIRICA”)

 

COMENTÁRIOS:

 

A PASTORA SUBMISSA – Outro leitor queixou-se da minha fraca imaginação. Disse que a minha ficção está muito aquém da realidade. Enviou-me um link em que uma pastora faz a sua pregação durante um culto nada culto. Assim:

“O pastor tá comendo as meninas! Continua sendo meu marido! E cadê o seu? Tá onde, fofoqueira? Vai tomar conta da sua vida!”.

Quem não acreditar é só clicar aqui e assistir ao vídeo da postagem feita no dia 05/11/2021, às 9:33 pm.

 

A CANTORA SOBERANA – Uma leitora comentou sobre a importância da cantora Marília Mendonça na sua vida. Embora a música sertaneja não seja a minha estética musical preferida, confesso que fiquei muito impressionado com a letra da música “Infiel”. Era um grito de libertação de milhões de mulheres brasileiras que viviam relações abusivas com machos-lixo. Logo no início da carreira, Marília apresentou-se em Parnaíba. Eu estava lá e ganhei um CD demo do Benedito, um saudoso amigo, porteiro do condomínio. Memorizei algumas letras que considero o lado mais forte da cantora. Hoje elas me ajudam a compreender o comentário da leitora ao dizer que o verso “Eu vou tirar você do meu coração” valeu mais do que incontáveis sessões de terapia. Obrigado, Marília.

 

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Escute o texto com a narração do próprio autor: