Após 16 meses de benefícios pagos, esta sexta-feira (dia 19) marca o fim do auxílio emergencial — criado durante a pandemia de Covid-19 para socorrer trabalhadores que ficaram sem emprego e renda. Hoje, os trabalhadores nascidos em dezembro sacam a sétima e última parcela liberada em 2021. De acordo com Daniel Duque, pesquisador da área de Economia Aplicada do FGV IBRE, no auge dos efeitos provocados pela ajuda federal, a pobreza diminuiu no país, mesmo diante da crise sanitária. Em 2019, 6,6% dos brasileiros estavam na extrema pobreza e 24% na pobreza. Em julho de 2020, no entanto, essas taxas tinham caído para 2,4% e 20,3%. Hoje, porém, as taxas pioraram: 7% dos brasileiros estão na extrema pobreza e 27% na pobreza.

 

As informações são extraídas com base em dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua e da Pnad Covid-19 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Pelos cálculos da Rede Brasileira de Renda Básica (RBRB), pelo menos 25 milhões de trabalhadores que recebiam o auxílio emergencial ficarão sem renda após o fim do programa e não serão incorporados ao Auxílio Brasil. O levantamento foi feito a partir dos dados divulgados pelo Ministério da Cidadania.

 

— Em 2020, o auxílio emergencial chegava a cerca de metade dos domicílios brasileiros e era de R$ 600. Mas com a suspensão do programa no primeiro trimestre deste ano e a volta com o valor reduzido a R$ 300, a pobreza volta a crescer— pontua Daniel Duque, para quem isso explica os erros e os acertos do programa social: — O acerto, então, foi a cobertura e o valor. Conseguiu reverter os efeitos da pandemia sobre a pobreza e o consumo. E o principal erro foi a não determinação do governo sobre as mudanças que iam ocorrer ao longo desses dois anos, ou seja, erros de planejamento e falta de clareza sobre como ia funcionar. Houve uma suspensão do programa com clara motivação de obrigar as pessoas a voltarem ao mercado de trabalho e muita indefinição sobre os valores.

 

Para ele, a redução no valor do auxílio, que precisaria acontecer, deveria ter sido feita com uma transição mais lenta: de R$ 600 para R$ 500, depois para R$ 400, e assim por diante. Daniel também não avalia que é cedo para acabar com a ajuda emergencial, mas que o sucesso dela num primeiro momento mostra a necessidade de uma transição — que também deveria acontecer aos poucos, até o fim do ano — para um programa mais robusto e permanente, como o Auxílio Brasil, mesmo vendo problemas em seu formato.

 

Na avaliação de Paola Loureiro Carvalho, especialista em Gestão de Políticas Públicas e diretora de Relações Institucionais da Rede Brasileira de Renda Básica, além de conter o avanço da pobreza e da extrema pobreza, outro ponto positivo foi o de fomentar o debate sobre a importância de uma renda mínima básica para a população mais vulnerável.

 

Ela pontua, no entanto, que houve falha na execução do programa, especialmente porque o auxílio não foi articulado com estados e municípios, responsáveis pelo cadastro das famílias em políticas sociais, e se valeu de um aplicativo para cadastro e concessão, o que gerou inúmeros problemas.

 

Paola Carvalho aponta ainda que as planilhas e os mecanismos do governo utilizados no cruzamento de dados para o pagamento do benefício se mostraram falhos devido ao número de fraudes constatadas e do volume de recursos pagos indevidamente.

 

— Usar um aplicativo sem considerar a desigualdade regional gigantesca, a dificuldade de acesso e a dependência de um smartphone, em um país sem cultura digital, ainda mais para os vulneráveis… Agora, quando criou o Auxilio Brasil, o governo não fez um trabalho continuado de migrar o cadastro do auxílio emergencial do aplicativo para o Cadastro Único, que seria uma base de dados única, capaz de mostrar a situação real e atualizada dessas famílias — ressalta Paola.

 

Queda no número de beneficiários

 

No primeiro mês de pagamento do auxílio este ano, 39,4 milhões de pessoas receberam a renda, segundo dados do Ministério da Cidadania. No ano passado, o número de atendidos chegou a 68,1 milhões. Agora, somente 14,5 milhões de pessoas, que faziam parte do programa Bolsa Família, continuam recebendo o novo Auxílio Brasil.

 

— Quando a gente vê as filas gigantes nos CRAS (Centros Regionais de Assistência Social, das prefeituras) e nas agências da Caixa, vê pessoas desesperadas em situação de desinformação em relação à política pública e sem processo de transição — diz Paola.

 

Uma pesquisa do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional do Ministério da Saúde mostra que somente 26% das crianças de 2 a 9 anos atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) conseguem fazer três refeições por dia, destaca a coordenadora da Rede Renda Básica.

 

A renda emergencial para quase 68 milhões de pessoas no auge do pagamento do auxílio, ao custo total de R$ 292, 9 bilhões para os cofres públicos, reduziu o índice de Gini, que mede a desigualdade numa sociedade, de 0,53 para 0,47. Este ficou abaixo de 0,50 pela primeira vez no Brasil, segundo um estudo dos economistas Naércio Menezes Filho, Bruno Komatsu e João Pedro Rosa. Quanto mais próximo de 1, mais desigualdade.

 

— O Auxílio Brasil iniciou seus pagamentos, e as famílias não sabem como o programa vai funcionar. E o que vai fazer o contingente da população desempregada, em situação de pobreza, a lista de espera do Bolsa Família que já existia antes da pandemia? Não há espaço para pessoas que perderam membros da família para a Covid, para quem adoeceu, para quem está desempregado e não conseguiu se estruturar — observa Paola.

 

Fonte: Extra