Régis de Athayde
O arquiteto Régis de Athayde

Convidado pelo amigo Paulo Cesar Lima, engenheiro do Ministério do Trabalho, e Professor da Faculdade Maurício de Nassau, para participar, como palestrante de um evento destinado aos estudantes dessa instituição, relutei inicialmente, mas decidi aceitar.

Como não houve confirmação do evento, e já havia preparado o roteiro da minha palestra, resolvi publicá-lo, com mais detalhes, na esperança de levar aos estudantes alguma contribuição da minha experiência. Eis o texto:

Inicialmente, quero agradecer pelo convite e congratular-me com os responsáveis pela criação do Curso de Arquitetura e Urbanismo em nossa cidade. Estou certo de que o curso virá contribuir para a necessária mudança de mentalidade – para melhor – da nossa população. Pelo menos no que diz respeito à Arquitetura e ao Urbanismo.

Quando tomei conhecimento da criação do Curso de Arquitetura e Urbanismo, em Parnaíba, fiquei surpreso e ao mesmo tempo intrigado. Procurei fazer um paralelo entre esse curso e a criação do Curso de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia, onde estudei. Em busca de novas informações, fiquei surpreso ao saber que o Curso de Arquitetura da Bahia foi criado em 1877. Isso mesmo, em 1877! Há quase 140 anos, quando o Curso de Arquitetura foi criado juntamente com a Academia de Belas Artes, Salvador detinha apenas 130 mil habitantes, aproximadamente. Portanto, fazendo-se uma analogia entre os dois cursos, já estava passando do tempo de Parnaíba ter o seu Curso de Arquitetura.

Na Bahia, o Curso de Arquitetura foi federalizado em 1949, com a incorporação da Escola de Belas Artes à Universidade Federal da Bahia. Naquela época, o curso de Arquitetura assegurava, à formação do Arquiteto, capacitação para realizar “obras essencialmente artísticas e monumentais”, bem como “grandes decorações arquitetônicas”.

Dez anos depois da federalização, separam-se, em 1959, as duas unidades: a Faculdade de Arquitetura, e a Escola de Belas Artes. A autonomia da Faculdade de Arquitetura ocorre no mesmo ano da minha chegada em Salvador, também em 1959.  Salvador já possuía mais de 650 mil habitantes. Hoje, estimam-se quase 3 milhões de baianos, que já contam com sete cursos de Arquitetura à sua disposição.

Na época da separação dos cursos, o currículo do Curso de Arquitetura tinha como base os conceitos do Arquiteto Lúcio Costa, e os princípios estabelecidos no Congresso da União Internacional de Arquitetos – UIA, de 1959. Estabelecia-se que a formação do Arquiteto “deveria desenvolver a sensibilidade plástica, a noção do espaço, a imaginação, a memória visual, o sentido do homem e do caráter”.

Só para lembrar, Lúcio Costa afirmava que “a Arquitetura é antes de tudo construção, mas construção concebida com a intenção de ordenar e organizar plasticamente o espaço, em função de uma determinada época, de um determinado meio, de uma determinada técnica e de um determinado programa”.

Falemos agora de Parnaíba. Já no início do século passado, Parnaíba mostrava-se bastante evoluída, em relação ao seu tempo, e, em muitos aspectos, em relação ao nosso tempo atual. Basta ver foto, até então inédita, publicada no jornal “O Bembém” de 21/10/2016, em que se observa trecho da então Rua Grande, hoje Avenida Presidente Vargas, com meios-fios alinhados, calçadas largas e niveladas, sempre acompanhando o greide das ruas, favorecendo a acessibilidade das pessoas. Em uma de suas crônicas, Humberto de Campos citou uma carta escrita por um visitante vindo do interior. Na carta, o visitante referia-se a uma Parnaíba “monarca de grande”.

Roberta Marx Delson, brasilianista americana, em seu livro “Novas Vilas para o Brasil Colônia”, demonstra que não apenas a Espanha planejava suas vilas, mas também Portugal. Tido como negligente, Portugal também planejava as suas vilas. Esse livro publica o “Mapa exacto da Villa de São João da Parnaíba”, de 1798. Significa que desde os seus primórdios, Parnaíba teve planejamento.

No início do século passado, por iniciativa do governo local, o prefeito Constantino Correia planejou e implantou o bairro “Nova Parnaíba”, com quadras de cem por cem metros, avenidas com 30 metros de largura, a cada três quadras e ruas com 20 metros de largura. Essa proposta não foi bem “compreendida” pelos administradores que o sucederam, pois, ao pavimentarem as ruas e avenidas, deram tratamento confuso, uma vez que apenas as avenidas mereciam receber canteiro central. Entretanto, observa-se que em algumas ruas também existem canteiros centrais. Tudo isso numa época em que a Prefeitura cobrava “Contribuição de Melhoria”, da seguinte forma: um terço do calçamento era custeado pelo proprietário da esquerda, um terço pelo da direita e um terço pela Prefeitura. No caso das avenidas, o terço da Prefeitura coincidia com o canteiro central. Talvez isso explique o fato de algumas ruas terem recebido canteiro central. Esse modelo se expandiu para os bairros Campos, Macacal e outros bairros. Todavia, nesses outros bairros aboliram-se as avenidas, e as ruas passaram a ter apenas 15 metros de largura.

No início da década de 1970, em um terceiro momento, por iniciativa do governo federal, foi elaborado o “Plano de Desenvolvimento e Ocupação do Espaço Urbano”, solenemente engavetado. Não tenho notícia da sua implementação.

Na primeira década deste século, um novo esforço de planejamento foi feito, quando a Prefeitura conseguiu contratar empresa nacional, com atuação global, para proceder o levantamento aerofotogramétrico da cidade, na escala 1:2.000, e, do município, na escala 1:10.000. Seguiu-se a esse levantamento, a contratação da mesma empresa, para elaboração do Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável de Parnaíba. O plano foi concluído em 2006. Até então, a cidade não dispunha de plantas confiáveis e georreferenciadas.

A impressão que se tem é que o Plano Diretor, de 2006, também terá o mesmo destino do anterior, ou seja, a gaveta. Entretanto, foi de grande valia no atendimento das exigências da Lei Federal nº 10.257 de 10/06/2001, que criou o Estatuto da Cidade. A lei estabeleceu um prazo de cinco anos para que todas as cidades com mais de 20 mil habitantes, ou de interesse turístico, apresentassem seus Planos Diretores, caso contrário estariam impedidos de receber recursos federais.

Em termos de legislação urbanística, muita coisa necessita ser feita, como a lei de Ocupação e Uso do Solo; a lei de Parcelamento do Solo Urbano; e, principalmente, uma consolidação da legislação urbanística do Município de Parnaíba, smj, que deverá estar disponível para quem dela queira fazer uso.

Enquanto rotariano, fui convidado a falar em diversas oportunidades, nos diferentes clubes rotários da cidade, sobre o dia do Arquiteto. Em tempos de CREA – Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura, o dia do Arquiteto coincidia com o dia do Engenheiro, comemorado no dia 11 de dezembro. Hoje, como todos sabemos, em tempos de CAU – Conselho de Arquitetura e Urbanismo, nosso dia é comemorado em 15 de dezembro, homenagem ao dia de nascimento do grande Arquiteto Oscar Niemeyer.

Geralmente fazia-se um paralelo entre as duas profissões, ora engrandecendo, ora aceitando as gozações que se faziam no ambiente estudantil.

Diz-se que “Deus é o grande Arquiteto do Universo”. Assim sendo, a Arquitetura seria a mais antiga das profissões, e não aqueloutra a que se costuma referir.

Os estudantes de Arquitetura, não raro eram pilheriados com frase do tipo “Arquiteto é o cara que não foi suficientemente bicha para ser decorador, nem suficientemente macho para ser Engenheiro”. Isso numa época em que não existia o “politicamente correto”.

Agora, falando sério: Primitivamente, o utilizador do abrigo é o seu próprio construtor. Ele ainda não o projeta numa fase preliminar distinta da execução. Posteriormente, construir torna-se uma profissão. Nas grandes obras que exigem conhecimentos especiais, as tarefas de concepção e de administração separam-se as tarefas de execução. Quem sabe, a partir daí começaram a surgir os primeiros Arquitetos.

Mas, na Antiguidade, as principais obras eram construídas por Arquitetos, mesmo porque, os Engenheiros, praticamente, só surgiram há pouco mais de 200 anos, com a primeira Revolução Industrial.

Agora, uma curiosidade: na época da construção das pirâmides, o Arquiteto era socialmente importante. O Arquiteto era o único plebeu que poderia casar com a filha do faraó. Deduz-se que essa primazia decorria do conhecimento que o Arquiteto tinha do “segredo” das pirâmides.

Esse exemplo histórico ilustra o prestígio do profissional à época, um pouco diferente do que acontece nos tempos atuais.

Marcus Vitrúvius Pollio, arquiteto romano do século 1º a.C., autor do único tratado de Arquitetura de sua época, preconizava que em uma boa obra de Arquitetura, deveriam ser encontradas, harmonicamente, três características básicas, a saber:

a SOLIDEZ   (FIRMITAS)

a COMODIDADE   (UTÍLITAS)

a BELEZA   (VENUSTAS)

A tríade FIRMITAS/UTÍLITAS/VENUSTAS, de Vitrúvius, corresponde à atual ESTRUTURA/FUNÇÃO/FORMA dos teóricos modernos.

Ainda hoje, o símbolo da profissão dos Arquitetos são três colunas jônicas, representando, cada uma delas, as características acima enunciadas. Esses signos podem ser verificadas nos bons anéis de formatura.

Tenho observado uma grande confusão feita pelas pessoas, de um modo geral, quanto ao conteúdo das profissões de Arquitetura, Engenharia e Desenho. Assim, aproveito a oportunidade para tentar esclarecer, apoiado na dissertação de mestrado do Professor José Carlos Garcia Durand: “A Profissão de Arquiteto – Estudo Sociológico”. Em suas conclusões, o professor Durand, esclarece:

“É com base na sensibilidade artística e na formação humanística que os Arquitetos procuram – desde o início – firmar na consciência do homem comum, sua diferenciação em relação aos Engenheiros”.

E ainda cita o Arquiteto Christiano Stokler das Neves:

“O Engenheiro não possui os estudos artísticos e é um arquiteto incompleto, como também o Desenhista que não possui os estudos científicos”.

Finalizando, coloco-me à disposição para, caso esteja ao meu alcance, responder alguma pergunta, que por ventura não queira calar.

Parnaíba, novembro de 2016

Régis de Athayde Couto

Arquiteto CAU A0332-8