ARTIGO “CIENTÍFICO”

 

Vitor de Athayde Couto

Voltando ao artigo “científico”, Guirindó completou, virtuoso:

 

– Quando um artigo é científico, ninguém precisa dizer que ele é científico. Basta que seja produto de uma pesquisa regular, durável e mais ampla, tenha objeto, método coerente (experimental ou argumentativo), com testes e resultados comprovados, além de uma análise e discussão consistentes, avaliadas pelos pares. Eventualmente, sugestões ou propostas.

 

Agora, quem faz apenas ctrlC+ctrlV, ou escreve só porque está “inspirado”, tem, sim, necessidade de chamar o seu frankenstein de “artigo”. Pior ainda, chama de “científico”. Cada artigo pretensamente “científico” contém cinco por cento de inspiração e noventa e cinco por cento de expropriação do conhecimento alheio.

 

Aquele conhecido engenheiro inglês da estrada de ferro, o Dr. Baitola, semi-bêbado dissidente, que ouvia tudo, não só concordou como ainda acrescentou a seguinte versão:

 

I meanI guess… Eu sou levado a crer que não irei desconcordar. Tudo isso começou por volta de 1430, com o nascimento do Vlad, na Transilvânia. Pesquisadores ingleses haviam constatado uma sequência de super safras de alho por toda a Europa. Os estoques se acumulavam. Sem vender alho, os camponeses não podiam pagar as rendas-dinheiro aos nobres proprietários das terras, nem à Igreja, que também era grande proprietária naquela época. Os proprietários recusavam-se a aceitar rendas-produto. Daí, papistas e nobres fizeram uma grande aliança, determinando que todos os padres, prelados, presbíteros e afins incutissem na população o medo de vampiros e morcegos –dava no mesmo. Vampiros e morcegos eram os demônios comunistas da vez.

 

Cumprida a primeira etapa do processo (incutir o medo), veio a segunda etapa (o antídoto): adquirir grandes quantidades de alho e ter sempre um crucifixo à mão. Assim, a população estaria bem equipada para combater e afastar os vampiros comunistas. Reduziram-se os estoques de alho e os ataques de morcegos hematófagos sobre os rebanhos. Os camponeses puderam pagar as rendas e ainda adquiriram novos crucifixos, elevando o nível de ocupação e renda dos artesãos. O moderníssimo método do ganha-ganha foi inventado em 1430 – e ainda subsiste, para alegria dos consultores “científicos”.

 

– Diabé consultor? – perguntou Loréu, um dos eternos bêbados da praça.

– Consultor? haha. Varêa, mermão. Temos aí um amplo espectro – respondeu Guirinda.

– Ispectrus? Quem é?

– Espectro é uma constelação de possibilidades baseada em evidências empíricas testadas com nível de significância acima de 0.97, de zero a um.

– Carái!

– Agora, consultor… tanto pode ser um vendedor-de-porta-em-porta, quanto um minerador de criptomoedas, ou comodoro de abadá de bloco de carnaval – respondeu Guirinda do alto da sua sabedoria.

– Orripíula! – arrematou o bêbado de plantão, antes de rolar mais uma vez pelo seu campo energético – o chão do abrigo. É no chão que ele sempre dorme e sonha até o dia seguinte. Sonha com um prato fundo de feijão com arroz e uma colher. Assim já tá mais do que bom. Ah! E sem esquecer a farinha!

 

Ao longe ouviu-se mais um cientista de laboratório, que gritava:

 

– Muita arminha e pouca farinha, os males do Brasil são!

 

 

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Escute o texto com a narração do próprio autor:

 

 

Créditos Imagem: Gomez